sexta-feira, 19 de maio de 2017

Hora da verdade e da ousadia |Marco Aurélio Nogueira

- O Estado de S. Paulo

Não basta ser, nem dizer que é. É preciso parecer, demonstrar, deixar evidente que é honesto e ser visto assim pelos outros. Especialmente numa sociedade do espetáculo.

Os grampos e as gravações da JBS dando conta de conversas e tratativas escabrosas do presidente Temer, assim como de maletas de dinheiro recebidas por Aécio Neves, fecham o círculo aberto pela Lava Jato.

Agora, abraçados como siameses, descem ao inferno personagens e partidos que mandaram na política brasileira nas últimas décadas. Lula (com Dilma a tiracolo), Temer e Aécio, o PT, o PSDB e o PMDB chafurdam no pântano por eles criado. Sem falar da legião de assessores, ajudantes, colaboradores, asseclas e tarefeiros que com eles trabalhavam, pessoas como Dirceu, Cunha, Palocci, Padilha, Moreira, Vaccari, Mantega, Cabral, para lembrar os mais conhecidos e importantes.

Juntos e misturados, esbofetearam a República. Terão de comer o pão que o diabo amassou.

Desdobramentos se sucedem. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a prisão do senador Aécio Neves, mas o ministro Edson Fachin recusou. A irmã de Aécio foi presa e Aécio já foi afastado do mandato de senador. Até um procurador da República foi preso hoje cedo.

Comemorar o fato como se fosse a queda da Bastilha, porém, é deixar de considerar o que mais há nas delações dos irmãos Batista. É lamber os beiços antes de provar o doce. É achar que nada mais ocorrerá. Ou seria preciso lembrar, a esta altura, que a onda do tsunami aponta para os relacionamentos entre JBS e BNDES durante os governos petistas? A delação da empresa compromete Aécio e Temer, com certeza, mas escancara uma ferida que muitos gostariam de ocultar.

As coisas não podem ficar assim. Chegou-se a um ponto em que ou alguém põe o guizo no gato ou o castelo cairá. Ou o que sobrou do castelo.

O que extrair dos fatos? É pergunta que se fazem 10 entre 10 brasileiros. O que virá amanhã, e depois de amanhã? Como sairemos do lamaçal em que nos deixamos enfiar, ano após ano, governo após governo?

Entregamos os destinos do país a pessoas e partidos desqualificados para a tarefa, e teremos agora de fazer o caminho de volta, seguindo as sementes, para ver se reencontramos as promessas da redemocratização dos anos 1980-1990. Para ver se nos achamos, depois de gastar adrenalina à toa numa polarização ridícula que estraçalhou o que havia de melhor na esquerda democrática e no campo liberal-democrático.

Há a histeria esquerdista típica, preguiçosa, passional, que vê na Globo o aríete golpista par excellence, pronto para atacar quem o desafia. “Persegue” Lula e liquidou com Dilma porque tem horror ao “cheiro de povo”, e agora ataca Temer porque o considera impopular demais para realizar os planos do “grande capital”. Essa ala não faz política: extravasa suas fantasias. E agride quem não coincide com elas.

Há os que fazem da sensatez e da serenidade um valor, mas que pouco apresentam de proposições práticas. Acreditam, com razão, que se deve ir com calma ao pote, pois não se sabe bem qual a qualidade da água que há nele, nem se água existe. Mas não conseguem dizer o que é preciso fazer. Buscam nomes e vias alternativas, torcem pela renúncia de Temer e pelo encontro de uma opção que reúna o que sobrou dos destroços, sem muita dor. É uma ala que, hoje, está chocada e desnorteada com a velocidade e a profundidade dos fatos, que tem dificuldades para encontrar uma rota de fuga e que se ressente dramaticamente da ausência de quadros e lideranças. Recorre ao tempo para ver se acha um eixo. Em que pesem titubeios e meneios realistas, é uma ala que reúne em seu interior parte ponderável da sabedoria política nacional, o que lhe dá força e destaque.

E há os mais apressados, desejosos de protagonismo, que pensam em impeachment e eleições diretas. São “ultrarrepublicanos” (alguns de verdade, outros por conveniência), podem ser de esquerda ou de direita, e coincidem no mesmo pecado de não avaliarem os ganhos e perdas das opções que julgam ser as melhores. Mas têm a enorme vantagem e o mérito de buscarem laços entre a política e a população, valiosos e indispensáveis no momento.

Entre tais alas e apesar delas, há todo um país se perguntando para onde ir.

Eleições diretas serão sempre bem-vindas. O Congresso que está aí – com seus parlamentares, seus partidos, seus regimentos, seu sistema – não nos representa faz tempo. É uma clonagem do que há de pior na sociedade. Já faz tempo que os Presidentes da República navegam na contramão da História, sem capacidade para dialogar com os cidadãos, sem eficácia gerencial, sem liderança ética e política. Os partidos são agências de negociatas que só levam em conta os próprios interesses. As delações dos últimos tempos, incluindo a de ontem e a de anteontem, só fazem atestar isso. Batemos no fundo do poço, e não é de hoje.

Eleições diretas podem ser a solução, mas não são necessariamente a única solução. Nunca foram e devem ser analisadas em um cardápio mais amplo, no qual figura a escolha indireta de alguém que conclua o mandato de Temer. Essa, porém, carrega a mácula da falta de representatividade, independentemente no nome que vier a ser cogitado.

Eleições diretas, no caso concreto, terão de ser adequadamente preparadas e precisam trazer consigo uma cláusula pétrea: nenhum suspeito, nenhum acusado, investigado ou réu, em primeira ou segunda instância, poderá delas participar como candidato. Precisamos de um cordão de isolamento, uma garantia a mais de que as eleições significarão um passo à frente, um avanço, uma solução efetiva. Sem isso, não passarão de uma farsa, que jogará no lixo tudo o que já se apurou sobre a corrupção e tudo o que já se conseguiu com a democracia.

A partir daí, que as forças vivas da nação, as ruas e a sociedade civil, o que houver de energia e discernimento nos partidos e os movimentos sociais, encontrem um ponto de unidade e convergência, se ponham em marcha e passem a medir forças para interpelar os eleitores, a eles apresentando ideias novas, consistentes, distantes do malabarismo marqueteiro, da demagogia populista e do radicalismo estéril.
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Marco Aurélio Nogueira é professor titular deTeoria Política da UNESP

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