quinta-feira, 11 de maio de 2017

Negativa de autoria | Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

Apesar de irônico, Lula foi muito cauteloso e focado nas respostas. Em nenhum momento afrontou o juiz Moro, que sempre se referia ao líder petista como ex-presidente

O depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao ser interrogado ontem pelo juiz Sérgio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba, foi todo na base do “eu não sabia”, “eu não queria”, “eu desconheço”. Ou seja, da negativa de autoria dos crimes que lhe estão sendo imputados pela força-tarefa da Operação Lava-Jato, basicamente a suposta compra e ocultação da propriedade do tríplex no Guarujá, bem como o recebimento de propina da OAS para guardar presentes e outros bens pessoais que teria acumulado durante os oito anos em que exerceu a Presidência da República.

Apesar de irônico, Lula foi muito cauteloso e focado nas respostas. Em nenhum momento afrontou o juiz Moro, que sempre se referia ao líder petista como ex-presidente. As imagens do depoimento são um anticlímax do anunciado duelo que estava previsto entre ambos. Moro foi sempre objetivo nas perguntas, que se baseavam nos autos do inquérito e na denúncia do Ministério Público; jamais perdeu a fleuma durante o interrogatório. Lula montou sua defesa com base na ausência de um documento que comprovasse a propriedade do imóvel e terceirizou a responsabilidade pela guarda dos bens, que teria sido do seu secretário particular, Paulo Okamoto. Foi categórico ao negar conhecimento sobre a corrupção na Petrobras.

Como se sabe, o Ministério Público Federal (MPF) afirma que a OAS destinou à família do ex-presidente Lula um tríplex no Condomínio Solaris, em frente à praia, no Guarujá. O edifício era uma das obras que foram comercializadas pela antiga cooperativa de crédito do Sindicato dos Bancários de São Paulo, conhecida como Bancoop, que faliu. A ex-primeira-dama Marisa Letícia tinha uma cota desse empreendimento.

Com a falência da cooperativa, a OAS assumiu parte das obras que ainda deveriam ser concluídas. Quem comandou a operação foi o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, ex-presidente da cooperativa. O MPF argumenta que a empreiteira concluiu a obra com o objetivo de entregar de graça ao ex-presidente e à sua família o apartamento, que estaria avaliado em R$ 2,76 milhões. O valor é a diferença do que a família de Lula supostamente pagara pelo apartamento, somado às benfeitorias realizadas nele. O tríplex ainda consta no balanço de bens da OAS, mas o MPF diz que isso foi feito apenas para ocultar a sua real titularidade.

Parte da denúncia é sustentada com base em visitas que Lula e Marisa Letícia fizeram ao apartamento, entre 2013 e 2014. Segundo procuradores, a família definiu as obras a serem feitas no imóvel, como a instalação de um elevador privativo. Lula receberia o tríplex como vantagem indevida da empreiteira OAS, que teria feito reformas no imóvel para receber a família do ex-presidente. Em troca, o petista atuaria em favor da empresa. Lula negou veementemente a propriedade do imóvel e destacou que não existe nenhum documento como prova cabal de sua propriedade.

O interrogatório derivou para o escândalo da Petrobras, por causa dos depoimentos do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro e do ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque. Questionado pelos procuradores, Lula demonstrou irritação ao ser questionado sobre suas relações com Pinheiro, Duque, o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. Disse que questionou Duque sobre o desvio de recursos na Petrobras e a existência de contas no exterior, mas ele negou o fato; afirmou que quem indicou os diretores da empresa foram os partidos de sua base via Casa Civil, mas não citou nomes dos ex-ministro José Dirceu e da ex-presidente Dilma Rousseff, que ocuparam a pasta. Negou conhecer Pedro Barusco. Também disse desconhecer a existência do cartel de empreiteiras que operava o esquema de propina.

Anticlímax
Lula foi o último réu a depor no processo, que se aproxima da conclusão. Tanto o MPF quanto as defesas poderão pedir as últimas diligências no processo e Moro determinará os prazos para que as partes apresentem as alegações finais. Não há prazo para que a sentença seja publicada. O depoimento foi sucedido por um certo anticlímax em Curitiba, que na véspera havia se transformado numa verdadeira praça de guerra. O esquema de segurança montado para garantir o depoimento e evitar confrontação entre petistas e apoiadores da Lava-Jato funcionou a contento.

Os petistas fizeram uma manifestação na Praça Santos Andrade, à qual Lula se dirigiu logo após o interrogatório. A ex-presidente Dilma Rousseff também esteve no ato, que reuniu 3 mil pessoas, segundo a Polícia Militar, mas seus organizadores calculavam em 50 mil. No ato, emocionado, Lula disse que compareceria a quantos depoimentos fosse necessário e que estaria interessado na “busca da verdade”.

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