terça-feira, 9 de maio de 2017

O governo não quer briga, quer voto | Raymundo Costa

- Valor de S. Paulo

Aliados raspam o tacho antes de votar a Previdência

Quem sabe do riscado diz que o governo já está pronto para votar a reforma da Previdência no plenário da Câmara. Quem não quer votar agora são os deputados. Eles decretaram uma greve branca de três semanas, período durante o qual vão intensificar o achaque. O sucesso ou fracasso do governo Temer depende da aprovação da reforma previdenciária, e o pressuposto é que o presidente está disposto a pagar qualquer que seja o preço. Antigos hábitos não mudam do dia para a noite.

Na prática, os governos não esperam o chamado melhor momento da base para votar. O normal é marcar a data e administrar as crises do dia a dia até a sessão de votação. O Palácio do Planalto precisaria estar muito longe dos 308 votos de que precisa para aprovar a proposta, o que não parece ser o caso. Mas desta vez, quem pausou a votação da reforma da Previdência foram os líderes dos partidos aliados. Pura fisiologia, dizem os entendidos; há quem aposte no agravamento da insegurança eleitoral, diante da dificuldade do Planalto de convencer os eleitores dos benefícios da reforma. Numa caso ou outro, o que parece é faltar juízo à base parlamentar de apoio ao governo na Câmara.

Na sexta-feira, dia 12, faz um ano que Michel Temer assumiu interinamente o lugar de Dilma Rousseff na Presidência da República, onde viria a ser efetivado em fim de agosto. Dilma tinha dois terços do país e a maioria do Congresso contra ela e não conseguiu governar, caiu de madura. Temer também sofre a rejeição de dois terços da população, mas tem a maioria do Congresso e governa, mesmo aos trancos e barrancos e sob a vara da Lava-Jato. O atual governo não é de calmaria, mas Dilma, eleita à frente de uma coligação de dez partidos em 2014, não tinha chances na borrasca, mesmo se tivesse habilidade análoga à de Temer no manuseio das coisas do Congresso.

Dilma quis impor uma agenda que não era aceita pelos agentes econômicos e políticos. Temer é a encarnação de uma agenda que representa o consenso econômico que se formou no país nos últimos 20 anos, com focos de resistência localizados. Se as reformas forem todas aprovadas, o peso do Estado cai de 20% para algo em torno de 15% no Orçamento da União. O que boa parte da base parlamentar de apoio ao governo Temer talvez ainda não tenha percebido é que entrou num caminho sem volta: o sucesso do governo são as reformas e a base depende do sucesso do governo para voltar em 2018. Sem as reformas, Temer perde governabilidade, e falta de maioria no Congresso com alta rejeição popular é a receita certa para o desastre. Vide Dilma.

A 18 meses da eleição nem Lula, entre os candidatos tradicionais, parece garantido eleitoralmente em 2018. Embora liderando as pesquisas, é o que tem maior rejeição num contexto em que a grande maioria das pessoas fala em votar nulo, em branco ou que ainda não decidiu em quem votar. O governo do PT foi um desastre que levou o país a três anos de recessão; o presidente Temer ainda tem uma chance, certamente não chegará a 2018 surfando em crescimento, mas pode chegar com as bases assentadas para o futuro governo. As bandeiras atualmente empunhadas por Lula da Silva são as mesmas que levaram o país ao fundo do poço.

O pior que pode acontecer para Michel Temer, neste momento das reformas, é uma crise aguda de insegurança eleitoral na coalizão governista, que é de centro-direita e que talvez não tenha outra oportunidade como esta para fazer mudanças há muito reprimidas, especialmente na legislação trabalhista. Em entrevista publicada na edição de ontem do jornal "Folha de S. Paulo", o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso demonstrou perplexidade com a extensão das mudanças feitas por um governo fraco. "A mudança da legislação trabalhista é um exemplo", disse FHC. "Eu sempre achei que seria impossível acabar com o imposto sindical obrigatório. Era algo que parecia inabalável".

FHC sabe do que fala. Como sociólogo e como ex-presidente da República eleito (1994) e reeleito (1998) no primeiro turno, com ampla base parlamentar, mas que ainda assim não conseguiu aprovar a idade mínima aos 65 anos para a aposentadoria, hoje um dos itens que menos dor de cabeça causam a Temer na proposta de reforma previdenciária, pelo menos no que se refere ao trabalhador urbano.

Só um ambiente legislativo propício pode explicar uma iniciativa como a do deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) para mudar as relações trabalhistas rurais a fim de permitir o pagamento na forma de alimentação e moradia, uma situação que persiste em áreas remotas do território nacional, sobretudo na Amazônia, e que outra denominação não pode ter a não ser "trabalho escravo". Não que as reformas de Temer tenham tirado direitos. A eleição está à vista, mas ainda faltam 18 meses, tempo suficiente para a base convencer o eleitor que tirou privilégios para assegurar o salário dos mais necessitados.

Cobras criadas
Para quem estava acostumado ao estilo perde-ganha dos governos do PT, principalmente no período Dilma, deve ser difícil acompanhar a dança de cobras criadas entre o presidente Michel Temer e o ex-presidente do Senado e atual líder da bancada do PMDB, Renan Calheiros.

Com dificuldades para se reeleger em Alagoas, Renan mirou como alvo as reformas trabalhista e previdenciária. Quando o projeto passou na Câmara, disse que, no Senado, teria que antes ser analisado na Comissão de Constituição e Justiça, onde ele dá as cartas.

O governo não quer brigar, quer voto, e manobrou para que a proposta ficasse restrita a outras duas comissões, o que lhe garantiria 30 dias a menos de tramitação. E insuflou parte da bancada contra o líder.

Renan recolheu mirradas 8 das 22 assinaturas da bancada para ficar. O Planalto mandou Romero Jucá, que é líder do governo, engrossar a lista de assinaturas de apoio a Renan. Ato seguinte concordou em submeter o projeto à CCJ, como queria Renan.

Dois movimentos feitos para prestigiar o líder da bancada do PMDB. Só que, em contrapartida, levou a indicação de Romero Jucá como relator.

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