quinta-feira, 18 de maio de 2017

O PAÍS NA INCERTEZA

Temer é gravado ao dar aval a compra de silêncio de Cunha

Num acordo de delação feito de forma inédita na Lava-Jato e revelado ontem à noite por
LAURO JARDIM e GUILHERME AMADO no site do GLOBO, Joesley Batista, dono da JBS, entregou ao Ministério Público gravação em que o presidente Temer, numa conversa em março, dá aval para o empresário comprar, com mesadas, o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha e do operador Lúcio Funaro, presos em Curitiba. “Tem de manter isso, viu?”, incentiva Temer. O presidente ainda indicou a Joesley o deputado Rocha Loures para resolver um assunto da JBF. Depois, o aliado do presidente foi filmado recebendo R$ 500 mil enviados pelo empresário. A Lava-Jato fez “ações controladas”, um meio de obtenção de provas em flagrante que possibilitou gravações de conversas e a filmagem, pela PF, de entregas de dinheiro. Malas e mochilas enviados por Joesley tinham chips, e os números de série das cédulas foram registrados antes. Em nota, Temer negou as acusações. Houve manifestações contra o governo no Congresso, em Brasília e em São Paulo.

‘TEM QUE MANTER ISSO, VIU?

Temer avaliza mesada a Cunha

Dono da JBS grava presidente aprovando pagamentos pelo silêncio do ex-presidente da Câmara

Lauro Jardim | O Globo

Na tarde de quarta-feira retrasada, Joesley Batista e o seu irmão Wesley entraram apressados no Supremo Tribunal Federal e seguiram direto para o gabinete do ministro Edson Fachin. Os donos da JBS, a maior produtora de proteína animal do planeta, estavam acompanhados de mais cinco pessoas, todas da empresa. Foram lá para o ato final de uma bomba atômica que explodiria sobre o país — a delação premiada que fizeram, com poder de destruição igual ou maior que a da Odebrecht. Diante de Fachin, a quem cabe homologar a delação, os sete presentes ao encontro confirmaram: tudo o que contaram à Procuradoria-Geral da República em abril foi por livre e espontânea vontade, sem coação. É uma delação como jamais foi feita na Lava-Jato:

Nela, o presidente MICHEL TEMER foi gravado em um diálogo embaraçoso. Diante de Joesley, Temer indicou o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) para resolver um assunto da J&F (holding que controla a JBS). Posteriormente, Rocha Loures foi filmado recebendo uma mala com R$ 500 mil enviados por Joesley. Temer também ouviu do empresário que estava dando a Eduardo Cunha e ao operador Lúcio Funaro uma mesada na prisão para ficarem calados. Diante da informação, Temer incentivou: “Tem que manter isso, viu?”.

AÉCIO NEVES foi gravado pedindo R$ 2 milhões a Joesley. O dinheiro foi entregue a um primo do presidente do PSDB, numa cena devidamente filmada pela Polícia Federal. A PF rastreou o caminho dos reais. Descobriu que eles foram depositados numa empresa do senador Zeze Perrella (PSDB-MG).

Joesley relatou também que GUIDO MANTEGA era o seu contato com o PT. Era com o ex-ministro da Fazenda de Lula e Dilma Rousseff que o dinheiro de propina era negociado para ser distribuído aos petistas e aliados. Mantega também operava os interesses da JBS no BNDES.
Joesley revelou também que pagou R$ 5 milhões para EDUARDO CUNHA após sua prisão, valor referente a um saldo de propina que o peemedebista tinha com ele. Disse ainda que devia R$ 20 milhões pela tramitação de lei sobre a desoneração tributária do setor de frango.

Pela primeira vez na Lava-Jato foram feitas “ações controladas”, num total de sete. Ou seja, um meio de obtenção de prova em flagrante, mas em que a ação da polícia é adiada para o momento mais oportuno para a investigação. Significa que as entregas de malas (ou mochilas) com dinheiro e as conversas ligadas a isso foram filmadas pela PF. As cédulas tinham seus números de série informados aos procuradores. Como se fosse pouco, as malas ou mochilas estavam com chips para que se pudesse rastrear o caminho dos reais. Nessas ações controladas foram distribuídos cerca de R$ 3 milhões em propinas carimbadas durante todo o mês de abril.

Se a delação da Odebrecht foi negociada durante dez meses e a da OAS se arrasta por mais de um ano, a da JBS foi feita em tempo recorde. No final de março, depois das gravações feitas por Joesley com Temer e Aécio, começaram as conversas. Os depoimentos foram iniciados em abril e na primeira semana de maio já haviam terminado. As tratativas foram feitas pelo diretor jurídico da JBS, Francisco Assis e Silva. Num caso único, aliás, Assis e Silva acabou virando também delator. Nunca antes na história das colaborações um negociador virara delator.

A velocidade supersônica para que a PGR tenha topado a delação tem uma explicação cristalina. O que a turma da JBS (Joesley sobretudo) tinha nas mãos era algo nunca visto pelos procuradores: conversas comprometedoras gravadas pelo próprio Joesley com Temer e Aécio — além de todo um histórico de propinas distribuídas a políticos nos últimos dez anos. Em duas oportunidades em março, o dono da JBS conversou com o presidente e com o senador tucano levando um gravador escondido — arma que já se revelara certeira sob o bolso do paletó de Sérgio Machado, delator que inaugurou a leva de áudios comprometedores. Ressalte-se que as conversas, delicadas em qualquer época, ocorreram no período mais agudo da Lava-Jato. Nem que fosse por medo, é de perguntar: como alguém ainda tinha coragem de tratar disso de forma tão descarada?

Para que as negociações não vazassem, a PGR adotou um procedimento incomum. Joesley, por exemplo, entrava na garagem da sede da Procuradoria dirigindo o próprio carro e subia sem ser identificado. Assim como os outros delatores.

Ao mesmo tempo em que delatava no Brasil, a JBS designou o escritório de advocacia Trench, Rossi e Watanabe para tentar um acordo de leniência com o Departamento de Justiça dos EUA (DoJ). Fechá-lo é fundamental para o futuro do grupo dos irmãos Batista. A JBS tem 56 fábricas nos EUA, onde lidera o mercado de suínos, frangos e bovinos. Precisa também fazer um IPO (abertura de capital) da JBS Foods na Bolsa de Nova York.

Pelo que foi homologado por Fachin, os sete delatores não serão presos e nem usarão tornozeleiras eletrônicas. Será paga uma multa de R$ 225 milhões para livrá-los das operações Greenfield e Lava-Jato que investigam a JBS há dois anos. Essa conta pode aumentar quando (e se) a leniência com o DoJ for assinada.

Colaborou Guilherme Amado

Nenhum comentário:

Postar um comentário