domingo, 28 de maio de 2017

Os caminhos do acordo

Os políticos ainda buscam um nome capaz de conduzir o País até 2018. Com Temer ou sem, as reformas não podem parar. Sem elas, chegaremos ao próximo ano sem o direito de ter esperança

Débora Bergamasco, Eduardo Militão e Ary Filgueira | IstoÉ

Até a quarta-feira 17, o Brasil ensaiava seus primeiros passos rumo à saída do atoleiro. A inflação estava controlada, a economia recuperava o fôlego e os índices de desemprego pareciam desidratar. Ao menos do ponto de vista administrativo, o presidente da República, Michel Temer, conduzia o País, até então à deriva, sem maiores sobressaltos.

Os fiadores de seu mandato, nas esferas política e econômica, exalavam confiança, sobretudo porque as reformas previdenciária e trabalhista estavam em marcha e perto de serem apreciadas pelo Congresso Nacional – mesmo que com alguns remendos.

A divulgação de trechos da delação dos donos da JBS empurrou não apenas o presidente da República, Michel Temer, como o País para o epicentro de uma nova crise. Desta vez, mais grave que aquela experimentada pelo Brasil em 2016, quando Dilma Rousseff se inviabilizou política e administrativamente. Agora, embora a situação do presidente da República se deteriore a cada átimo de tempo, ainda não há uma convergência sobre quem irá comandar o Brasil até as eleições de 2018.

Investigado no STF por corrupção, organização criminosa e obstrução de Justiça, Temer pode até não ter mais condições políticas de permanecer na cadeira de presidente, e é provável que não as tenha, mas é certo que todos os caminhos que apontam para o desenlace da crise atual ainda passam por ele.

E dele dependem diretamente. Os atores políticos têm ciência disso. Hoje, não há acordo possível sem a anuência do presidente da República. Afinal, mesmo que amargue uma derrota no plenário do TSE, no próximo dia 6, – hoje a saída considerada mais rápida e indolor, – uma infindável possibilidade de recursos arrastaria o País para um buraco sem fundo. E isso ninguém quer. Por isso, Temer não pode ser descartado do tabuleiro do xadrez político, mesmo que apenas como articulador da própria sucessão.

Segundo apurou ISTOÉ, no PSDB é ponto pacífico que Temer perdeu a governabilidade, não conseguirá mais fazer as reformas necessárias, não é mais útil ao empresariado e que sua permanência só vai gerar instabilidade política e econômica.

Porém, a postura tucana de se manter em cima do muro neste momento – tratada em longa reunião da bancada parlamentar na tarde de quarta-feira 24 a portas fechadas, no Congresso Nacional – guarda relação com a falta de um acordo sobre quem irá substituir o peemedebista.

Os chamados “cabeças brancas” do PSDB, a ala mais antiga e de maior ascendência sobre o partido, não aceitam a hipótese de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ser o sucessor de Temer. Acham-no um desastre para o País.

Na avaliação dos tucanos, um eventual triunfo de Maia teria potencial para incendiar as ruas e desgastar o partido perante a opinião pública. Para eles, poderia ser mortal à legenda bancar a eleição de mais um candidato controverso, com implicações na Lava Jato.

Eles contabilizam que, hoje, Maia teria votos suficientes na Câmara para ser eleito indiretamente. Por isso, tentam ganhar tempo para articular outro nome. Mas nem no tucanato a fumaça branca do consenso é possível ser emitida. Enquanto a velha guarda não quer nem ouvir o nome de Maia, os deputados da legenda já topam uma articulação que envolva a ascensão de Rodrigo Maia ao Planalto.

Outra ala trabalha diuturnamente para eleger o senador Tasso Jereissati (CE) por votação indireta. O nome ganhou força nas últimas horas. Tasso se credencia por cultivar o perfil de conciliador e transitar com desenvoltura entre todas as agremiações. Ele, inclusive, toparia não concorrer a uma reeleição, caso fosse alçado ao cargo por meio de um grande acordo nacional. Pesa contra ele, no entanto, o fato de ser presidente nacional do PSDB, o que poderia acirrar a divisão do País entre o “nós e eles”, promovida pelo PT.

Se as divergências ainda prevalecem, existe algo sobre o qual os tucanos em peso concordam: a escolha do sucessor presidencial precisa ser referendada pelo próprio presidente Michel Temer. Para convencê-lo a aceitar um “acordão”, a proposta seria a seguinte: o PSDB se comprometeria a apoiar a saída mais honrosa para a biografia do peemedebista, qual seja, a cassação pelo TSE. A solução permitiria a Temer responsabilizar a antecessora pelas irregularidades na arrecadação de fundos à campanha e o pouparia de partir para uma renúncia – o que soaria como uma confissão de culpa.

Essa saída, no entanto, até semana passada, ainda esbarrava num obstáculo que os tucanos ainda tentavam remover internamente: “Quem vai colocar o guizo no pescoço do gato? Eu que não”, disse à ISTOÉ um tucano de alta plumagem. Não havia quem ousasse propor a Temer essa solução.

Por isso, o discurso ao público, por ora, é o de só tomar uma decisão definitiva depois do julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral. Reside aí outro entrave. No final da última semana, o presidente mantinha a disposição de tentar postergar ao máximo o processo na corte eleitoral.

O adiamento seria feito através de questões de ordem, pedidos de discussões preliminares e recursos de advogados. O governo ainda se articula para que algum ministro aliado peça vistas do processo, expediente que permitiria que o julgamento fosse interrompido por prazo indefinido. Ou seja, mesmo fragilizado, Temer ainda detém o controle sobre o leme que dá direção às ações políticas. Resta saber se isso lhe garantirá sobrevida e por quanto tempo.

Em meio às conversas de coxia nos últimos dias, o principal articulador tucano ao lado de Tasso Jereissati, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, nutriu preocupação com o timing da crise. FHC teme que se o presidente ficar “sangrando” na cadeira presidencial, a pressão por eleição direta possa recrudescer.

Este caminho atende às conveniências do PT. “O País só deve dar um passo pensando nos seguintes. Como preservar a Constituição, como tocar as reformas, compondo também com interesses populares. Não basta dar rumo ao mercado, as pessoas e o país contam. É preciso ter um discurso crível e insistir muito nele”, afirmou o ex-presidente.

Somente uma jogada – inconcebível, por sinal – poderia fazer a cúpula do PT desistir das Diretas: que uma concertação nacional garantisse que Lula não fosse condenado pela Justiça em instâncias superiores, já que uma derrota na primeira instância é considerada favas contadas até no seio do PT.

Por mais absurdo que possa parecer, já há costuras nesse sentido. Ao menos um ministro do Supremo foi consultado para endossar um acordo que contemple o indulto a Lula. Conforme apurou ISTOÉ, um dos emissários do acerto seria Nelson Jobim, hoje considerado no meio político como um preposto do ex-presidente, embora também cultive uma relação azeitada com o alto tucanato.

Na última semana, o ex-ministro de FHC, Lula e Dilma esteve cotado nas bolsas de apostas para suceder Temer. O próprio, no entanto, negou o vôo solo em jantar para cinqüenta integrantes do mercado financeiro, na quinta-feira 25. “Não contem comigo”, asseverou. O BTG Pactual, banco do qual é sócio e onde investiu grana pesada, é o maior impeditivo. Além de não rasgar dinheiro, Jobim enfrenta resistências internas. Leia-se André Esteves, fundador e controlador do banco.

Outro nome que surgiu nas rodas de conversa foi o do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Embora seja bem visto pelo mercado financeiro e empresários, por ter contribuído para interromper a recessão, reduzir a inflação, a taxa de juros e os índices de desemprego, Meirelles tem contra ele a ligação estreita com a JBS, protagonista da crise que fragilizou o atual governo: o ex-ministro foi presidente do Conselho Consultivo da empresa de 2012 a 2016.

O que quase todos concordam em Brasília é que Meirelles deveria permanecer na Fazenda. Se a articulação para guindar Tasso ao Planalto for bem sucedida, a manutenção de Meirelles ganha força. Na última semana, chegou- se a aventar a hipótese de alçar o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, ao posto, mas a troca no comando da economia embute riscos e tudo o que o Brasil não precisa neste momento são de solavancos desnecessários nessa área.

Até a sexta-feira 26, o PT ainda fazia de tudo para encaixar Nelson Jobim no novo quebra-cabeças da Esplanada. No dia seguinte à negativa de Jobim, quanto à possibilidade de assumir o País em eleição indireta, os petistas fizeram circular a versão de que o homem do BTG poderia ser guindado à Justiça num governo Tasso.

O recado estava dado: o PT até poderia digerir um tucano na Presidência desde que conseguisse controlar a Justiça. Tudo muito bom, tudo muito bem, desde que o motivo não fosse nada republicano. A trama é outra, mas a intenção é a mesma – ou seja, bem rasteira: a de emplacar um aliado na Justiça para salvar a pele de Lula.

Estabelecido o impasse, FHC poderia surgir com um tertius na disputa. O próprio, no entanto, parece não exibir mais musculatura política para entrar numa bola dividida. “Candidato, eu? Olha para a minha cara, minha idade”, afirmou semana passada. A interlocutores, porém, FHC confidenciou que poderia aceitar a missão, desde que houvesse um chamamento nacional permitindo que ele fosse ungido ao cargo, sem restrições de quem quer que seja.

Nessa altura do campeonato, seria de fato o melhor dos mundos para o País. Mas setores da esquerda ainda fazem reservas à solução FHC. “O ex-presidente só pacificaria o País se fizesse muitas concessões a Lula, o que a opinião pública não engoliria nesse momento”, disse um parlamentar bem enfronhado entre alas importantes do Congresso Nacional.

Embora o cenário indicasse favas contadas no início da semana, é indiscutível que nas últimas horas o Planalto ganhou um respiro. O principal motivo não é outro senão a falta de consenso em torno dos nomes para suceder Temer. Em seu terceiro pronunciamento público, desde a eclosão da crise, o presidente se esmerou em demonstrar que, apesar das turbulências políticas, o governo ainda mantém a ascendência sobre a pauta do Congresso.

“Continuamos avançando e votando matérias importantíssimas. Deputados e senadores continuam a trabalhar em favor do Brasil e aprovaram número expressivo de medidas provisórias. Sete em uma semana”, afirmou. Ao fim, agradeceu a base aliada: “Ainda há muito o que fazer”, sapecou.

Segundo fontes do PMDB, os caciques, principalmente os da Câmara, decidiram lutar até o fim. Desmoralizar Temer agora significaria promover um corte na própria carne, entende a turma. De acordo com esse mesmo raciocínio, num futuro governo, o partido responsável por pautar a agenda econômica liberal perderia relevância. “Entregar Temer aos leões agora, para o PMDB, é partir para um abraço de afogados no futuro”, disse um integrante da cúpula da legenda.

O fato insofismável é que, com Temer fora ou não, haja convergência ou não em torno do nome para sucedê-lo, é condição sine qua non para o Brasil seguir no caminho das reformas. Como bem sublinhou a The Economist, na última semana, “com Temer ou sem ele, a melhor esperança para o Brasil agora é ter no Planalto um líder que consiga concluir o que o atual presidente começou. O ocupante do Palácio do Planalto importa menos que a continuidade das reformas econômicas”. Perfeito. Sem elas, todos chegaremos em 2018 sem o direito de sonhar.

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