sexta-feira, 19 de maio de 2017

Temer se recusa a renunciar e crise política se intensifica

Por Raymundo Costa | Valor Econômico

BRASÍLIA - A divulgação do diálogo entre Michel Temer e Joesley Batista deixou o presidente em situação delicada. No áudio, o empresário relata pagamentos de R$ 50 mil por mês a um procurador cooptado por ele e que lhe dá informações sigilosas da força-tarefa do Ministério Público. O relato de obstrução à Justiça é feito ao presidente da República sem que este esboce nenhuma reação de desconforto. Em nota, o Palácio do Planalto alega que o presidente "não acreditou" na veracidade das declarações. Para ele, o empresário "parecia contar vantagem".

Na avaliação do governo, o áudio não é comprometedor, por não comprovar o envolvimento de Temer na compra do silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, como se depreendeu dos vazamentos sobre o diálogo na quarta-feira.

Ontem, no fim do dia, o Supremo Tribunal Federal levantou o sigilo de parte das gravações que provocaram um terremoto no país. O PMDB comparou o impacto da delação da JBS ao da Operação Carne Fraca, que parecia ter desmontado um grande esquema de corrupção, mas pegou apenas funcionários corruptos e prejudicou a exportação da carne brasileira. No entanto, nem o impacto da Carne Fraca, cujo conteúdo ainda está por ser revelado, foi tão insignificante, nem a crise da delação da JBS foi superada.

Em pronunciamento à nação, Temer foi claro: "Não renunciarei". Ao decidir ficar, fez uma aposta de alto risco. Com menos de 10% de aprovação popular, o presidente espera para ver a reação das ruas, em protestos programados para o domingo. As grandes manifestações foram decisivas para a queda da ex-presidente Dilma Rousseff. Em segundo lugar, mas não por último, ele conta com um julgamento favorável do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na ação de impugnação da chapa Dilma-Temer, proposta pelo PSDB, já marcado para a primeira semana de junho. Eventual absolvição ajudaria a aliviar a pressão política sobre o governo.

Temer e seu grupo de conselheiros mais próximos avaliam todas as possibilidades. O presidente quer recompor sua base política, que está esgarçada, como mostram as defecções ocorridas ontem no PSDB e no PPS, mas precisa dizer aos aliados em torno do quê pretende juntar os cacos. Ele vai acenar com a complementação das reformas e com a estabilização da economia. Se ficar sem base de apoio e incapaz de cumprir a promessa, como aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, não terá muito mais o que fazer sozinho no Palácio do Planalto.

Para continuar, o governo amplifica as perdas que a saída de Temer deve provocar: a queda dos juros será mais lenta, o dólar vai às alturas, com repercussão na inflação, que está em queda, e já dá como certo que as reformas, que deveriam ser aprovadas até o fim de junho, agora só devem ser votadas no segundo semestre. O governo já teme o esvaziamento do Fórum Brasil de Investimento, marcado para os próximos dias 30 e 31, para o qual já estão inscritos quase mil representantes do setor privado, entre eles os presidentes mundiais da Fiat e do Santander.

Planalto tenta ganhar tempo para superar crise
A maior preocupação agora do Palácio do Planalto é "conter a sangria" na base aliada do governo, pois é com os deputados e senadores que o governo conta para ganhar tempo a fim de tentar se estabilizar e sobreviver à mais grave crise política brasileira deste século, que ameaça cortar a cabeça de um segundo presidente da República, no espaço de tempo de pouco mais de dois anos. Além do PSDB e do PPS, também no PSB há pressão pela saída do ministro Fernando Coelho Filho, das Minas e Energia.

A preocupação dos caciques do Congresso pode ser vislumbrada na hora do pronunciamento do "fico" de Temer, no gabinete do presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), para onde acorreram Renan Calheiros, adversário de Temer, o ex-presidente José Sarney, sujeito oculto de muitas decisões partidárias, os senadores pemedebistas Jader Barbalho (PA), Simone Tebet (MS) e Walmir Moka (MT) e o petista Jorge Viana (AC).

O discurso foi aprovado por todos, que respiraram aliviados - além do mandato de Temer, permeia a crise um conflito entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), que agora afastou do mandato mais um senador, Aécio Neves, presidente do PSDB. A opinião dos pemedebistas é a de que Temer fez um pronunciamento "vigoroso", talvez o mais contundente de sua carreira cinquentenária na política.

A alternativa da renúncia, embora seja descartada por Temer e seus auxiliares mais próximos, como Moreira Franco (Secretaria Geral) e Eliseu Padilha (Casa Civil), é real, se o presidente não conseguir se recompor politicamente ou não conseguir conter a força das manifestações populares. Neste caso, assume a Presidência da República o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o Congresso, num prazo de até 30 dias, deve eleger indiretamente um novo presidente para o cargo.

Rodrigo presidente, quem organiza a eleição é o presidente do Congresso, Eunício Oliveira. Qualquer cidadão brasileiro em dia com seus direitos políticos pode se candidatar, mas é improvável que nomes como os próprios Rodrigo e Eunício se apresentem. Há no STF um pedido de abertura de inquérito contra Rodrigo, por envolvimento na Lava-Jato. Ontem foi aberto o segundo inquérito contra Eunício. "Não por acaso", dizem os aliados do senador. Eunício é o segundo na linha sucessória.

Governo e Congresso coincidem nesta avaliação: a denúncia contra Temer não surgiu por acaso no melhor momento do presidente no governo, quando estava prestes a votar a reforma que acaba com privilégios na alta burocracia do serviço público.

O problema da eleição direta, neste momento, é a ausência de candidatos que possam unir o país. Os candidatos do PSDB estão derretendo. O senador Aécio Neves, que disputou a última eleição voto a voto com a ex-presidente Dilma Rousseff pode ser preso. Ainda entre os tucanos, Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, tem chances jurídicas de sobreviver à Lava-Jato, mas virou poeira política diante da ascensão de João Doria - que ainda precisa passar pelo teste de governar a maior cidade do país. Resta Tasso Jereissati (PSDB-CE), um nome que até agora passou ao largo da Lava-Jato e cada vez mais é lembrado pelos tucanos.

A vantagem de Lula nas pesquisas anima o PT, diante da ruína política de Temer, mas a última semana também não foi favorável ao ex-presidente da República. Difícil dizer até quanto ele pode resistir e superar os ataques numa campanha. O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) cresceu na crise dos partidos e políticos tradicionais, mas a tradição do país nunca foi pelo extremo. No quadro político tradicional, resta ainda Marina Silva (Rede), que também não consegue manter nas pesquisas o desempenho das duas últimas eleições.

O quadro é desolador quando se fala na eleição indireta pelo Congresso, que é o remédio prescrito pela Constituição, na hipótese de Temer renunciar ou de a chapa Dilma-Temer ser impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Os dois próximos nomes na linha são o do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, e o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), presidente do Senado. Citados na Lava-Jato, dificilmente teriam condições de levar a bom termo a travessia até as eleições de 2018.

O terceiro nome na linha sucessória é o da ministra Carmen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), que tem uma imagem mais bem sintonizada com as ruas. A presidente do STF assumiria a Presidência da República temporariamente, até o Congresso eleger um novo presidente, assim como o ministro Ricardo Lewandowski presidiu um Senado durante o julgamento da ex-presidente Dilma. Se quiser ser candidata a completar o mandato de Temer e ficar até 2018, Cármen Lúcia, no entanto, teria de renunciar à Presidência do Supremo. No quadro atual, o Congresso também teria dificuldade para eleger alguém do STF.

Há especulação sobre vários nomes para uma disputa indireta. Quase todos acompanhados de uma restrição. O ministro Henrique Meirelles (Fazenda) seria a garantia do prosseguimento das reformas, mas não só teve ligação funcional com o grupo JBS como também as reformas dividem o país. O ex-ministro Nelson Jobim tem trânsito no PMDB, PSDB e PT - mas não só organizou a defesa das empresas da Lava-Jato como agora é associado do banco BTG-Pactual.

Apesar da pressão do PT e de outros partidos à esquerda, a saída constitucional é a que mais une os partidos da base aliada de Temer: assume o presidente da Câmara e elege um presidente para completar o mandato. Mas começa a haver consenso que o atual ambiente de radicalização exige ao menos uma trégua política. Trégua na qual não acreditam os auxiliares de Temer no Palácio. "Ninguém está interessado numa trégua", diz um aliado.

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