sexta-feira, 9 de junho de 2017

Caminho tortuoso | Míriam Leitão

- O Globo

A Justiça Eleitoral pode terminar este processo com dificuldade de explicar sua existência. Nunca se viu tanta prova de corrupção numa campanha e mesmo assim, ontem, houve um ensaio de resultado final favorável ao presidente Michel Temer e à ex-presidente Dilma Rousseff. A leitura do voto foi atrasada por uma enervante manhã em que foi exibido um festival de sofismas e contorcionismos mentais.

O debate foi sobre se era ou não possível usar os depoimentos da Odebrecht. A maioria achou que não. A ação manda investigar a propina na Petrobras, mas não poderão ser usadas informações da empreiteira que é a maior corruptora. A ação é de investigação, mas descobertas feitas durante o processo foram consideradas pela maioria como extrapolação do pedido inicial da ação.

O ministro Herman Benjamin, mesmo com essa estranha limitação, exibiu uma lista enorme de depoimentos — Nestor Cerveró, Pedro Barusco, Paulo Roberto Costa, Júlio Camargo, Fernando Soares, entre outros — indicando que propina cobrada em contratos com a Petrobras foi para o PT-PMDB para ser usada na campanha de 2014.

Os ministros Admar Gonzaga e Tarcisio Vieira Neto disseram que não se pode investigar Caixa 2, mas apenas Caixa 1. Mesmo se fosse o caso, não faria diferença. Herman Benjamin mostrou depoimentos e documentos provando que propina virava doação pelo Caixa 1.

O ministro Napoleão Nunes Maia defendeu o estranho raciocínio de que os depoimentos de pessoas que fizeram delação premiada não deveriam valer porque eles seriam suspeitos. Como não podem alterar o que falaram na delação, seus depoimentos na Justiça Eleitoral seriam viciados.

— Foram ouvidos (no processo no TSE) os marqueteiros altamente premiados. Nenhum deles está preso — protestou o ministro Napoleão.

Ora, se o ministro acha que eles deveriam estar presos é porque cometeram crime. Mas qual o crime? Não se pode saber porque, por esse raciocínio de Napoleão, eles já haviam feito delação premiada. Se o que está sendo investigado é corrupção na campanha, como não ouvir os marqueteiros? Eles foram ouvidos com autorização do TSE. Se os depoimentos forem também extirpados, como chegou a se insinuar, será uma decisão “memorável”, como disse o ministro Benjamin.

Nesse show de nonsense, as intervenções claras e objetivas do ministro Luiz Fux eram uma espécie de ilha de sensatez. O ministro Benjamin passou a manhã tentando se proteger dos ataques ao seu voto, que ele sequer havia lido. Foi tão cerrado o bombardeio que a ministra Rosa Weber usou o poeta Torquato Neto para “louvar o que merece ser louvado”: o trabalho do ministro Herman Benjamin.

Quando conseguia tomar a palavra, o relator se defendia escorado no voto do ministro Gilmar Mendes. Com esse voto, de 2015, o ministro Gilmar Mendes evitou que fosse rejeitada a ação contra a chapa Dilma/ Temer. Nele, o presidente do TSE disse que a ação buscaria “verificar se, de fato, recursos provenientes de corrupção na Petrobras foram ou não repassados para a campanha presidencial, mormente quando se verifica que diversos depoimentos colhidos na seara criminal revelam que parte do dinheiro era utilizada em campanha eleitoral (Paulo Roberto Costa, Ricardo Pessoa e Alberto Youssef, entre outros). Sem falar as empresas envolvidas na operação Lava-Jato que doaram importantes valores para os partidos envolvidos no suposto esquema (PT, PMDB e PP).”

O ministro Gilmar Mendes veio à tarde disposto a reforçar a separação entre Petrobras e Odebrecht e leu trecho do depoimento de Marcelo Odebrecht afirmando que ele não tratava diretamente de propinas na Petrobras, mas apenas das campanhas presidenciais.

— O mandato não pode ser posto em risco sem uma justificativa plausível — concluiu Gilmar Mendes.

Será difícil encontrar um outro momento em que tantas provas, evidências, testemunhos se somem na mesma direção: a de mostrar que houve corrupção na campanha de 2014. Eram já fortes os indícios em 2015, por isso o próprio ministro Gilmar Mendes se bateu para que a ação não fosse arquivada. Nestes dois anos aumentaram as provas de que propinas na Petrobras estavam ligadas ao financiamento de campanha. Mas pelo andar da carruagem caminha-se para tudo isso virar uma grande pizza.

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