terça-feira, 13 de junho de 2017

Dominância monetária | Yoshiaki Nakano

- Valor Econômico

Um ministro da Fazenda responsável e consciente deve ter como objetivo o equilíbrio estrutural das contas públicas

Muito tem sido falado sobre "dominância fiscal", situação em que a política fiscal anula os efeitos da política monetária, ou mesmo reverte os seus efeitos. Mas pouco ou quase nada tem sido discutido ou escrito sobre "dominância" monetária, situação em que esta pode, sistematicamente, neutralizar os efeitos da política fiscal. Esta última questão se torna muito importante politicamente se o banco central tiver, de fato, independência, em que diretores não eleitos são totalmente independentes e prevalecem sobre servidores públicos responsáveis pela política fiscal que, em princípio, devem responder aos representantes eleitos pelo povo.

Em primeiro lugar, vamos entender o que significa dominância monetária. Imagine uma situação em que a economia está estável e em equilíbrio, a demanda agregada é igual ao produto potencial da economia, a taxa de inflação coincide com a meta e a taxa de desemprego é tal que não pressiona os salários. Entretanto, a classe política entende que a economia está crescendo muito pouco e, já que as contas fiscais estão em ordem, pressionam o Executivo a lançar um programa de estímulos para aumentar os investimentos para crescer mais rapidamente. Isto sob o argumento de que seu efeito sobre a oferta agregada neutralizará os seus efeitos inflacionários. Em outras palavras, com o crescimento mais rápido da economia a situação fiscal voltará ao equilíbrio e o aumento de produtividade do trabalho poderá neutralizar os efeitos sobre os salários.

Imaginemos que o Ministério da Fazenda elabore um amplo programa dando também subsídios tributários e creditícios, via bancos oficiais, para as empresas investirem mais em certos setores considerados chaves.

Qual será a resposta inevitável do banco central? Anunciado o programa de expansão fiscal, a equipe técnica imediatamente alertará seus diretores dos efeitos expansionistas e inflacionários do programa do Ministério da Fazenda. Como o banco central é responsável pelo controle da taxa de inflação, na reunião imediatamente posterior ao anúncio, a diretoria deverá tomar medidas prevendo uma expansão da demanda agregada maior que a oferta e aceleração da taxa de inflação num futuro próximo, aumentando a taxa de juros.

Como existe um intervalo entre elevação da taxa de juros e seus efeitos anti-inflacionários, o banco central tem que antecipar os efeitos da política fiscal. A decisão do banco central terá sido tomada mesmo que, por incompetência do próprio Executivo, não consiga implementar todas as medidas fiscais anunciadas.

Se o banco central calibrar corretamente a elevação da taxa de juros poderá anular completamente os efeitos expansionistas do programa fiscal. Uma vez alcançado seus objetivos, o banco central poderá trazer de volta a taxa de juros.

Neste caso, será que as decisões do banco central serão neutras de forma que a economia voltará à situação inicial de equilíbrio? Evidentemente que não. Tomemos apenas dois exemplos. A política monetária, ao elevar a taxa de juros, aumentará os gastos do governo com juros e o efeito da elevação da taxa de juros será a redução do valor presente de seus superávits futuros e ficará menor que o valor real da dívida pública, quando obrigatoriamente, devem ser idênticos por definição, trata-se de uma restrição orçamentária. A restrição se restabelecerá se a taxa de inflação aumentar ou houver um deságio dos títulos públicos de forma a restabelecer a identidade.

O segundo efeito da não neutralidade da ação do banco central poderá vir no mercado de câmbio. É evidente que a elevação da taxa de juros doméstica atrairá um fluxo de capitais do exterior e a taxa de câmbio apreciará. A consequência será uma elevação dos preços dos setor de não-tradables e redução dos preços do setor de bens tradables. Desta mudança nos preços relativos um dos efeitos sera a redução da margem de lucro da indústria, reduzindo a taxa de investimentos no setor, prejudicando o crescimento econômico.

Esta questão de dominância monetária tem outras facetas importantes que não podemos explorar neste espaço, mas à guisa de conclusão cabe mencionar que dificilmente podemos imaginar uma situação em que a autoridade fiscal consiga promover uma aceleração do crescimento por longo período. A dominância monetária prevalecerá. É por isso, que um ministro da Fazenda responsável e consciente deverá ter como objetivo o equilíbrio estrutural das contas públicas e deverá procurar uma coordenação estreita com o banco central.
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Yoshiaki Nakano com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)

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