quinta-feira, 1 de junho de 2017

Economia chinesa volta a desacelerar – Editorial | Valor Econômico

A economia chinesa começou novamente a desacelerar, depois de forte crescimento no primeiro trimestre. Desde que o presidente Xi Jinping advertiu para a necessidade de "estabilidade financeira" e trocou alguns dos responsáveis pela regulação bancária, uma nova rodada de aperto de liquidez atingiu não apenas os alvos necessários, como o sistema bancário paralelo (shadow), como vários setores da economia. O ritmo de crescimento da produção industrial, das vendas no varejo e dos investimentos fixos declinou em abril.

Em maio, pela primeira vez em um quarto de século, a Moody's rebaixou a dívida chinesa em um degrau (de Aa3 para A1), uma ação mais voltada para os riscos futuros domésticos que para sua exposição externa. A dívida externa chinesa não é grande em relação ao PIB - 13% ou US$ 1,4 trilhão - nem a participação dos investidores estrangeiros é significativa no mercado de bônus chinês, restringindo-se a US$ 65 bilhões, ou meros 4% do total. Além disso, a China ainda possui US$ 3 trilhões em reservas, um colchão de segurança invejável.

As estatísticas são preocupantes, porém, quando põem o foco no mercado interno. As empresas chinesas estão entre as mais alavancadas do mundo, acumulando dívida de US$ 18,9 trilhões, ou 170% do PIB. O ritmo de expansão do crédito foi 25% no último ano e a freada de arrumação que está sendo feita pelo governo reduziu essa velocidade a 15%, ainda elevado, mas suficiente para levar à inadimplência várias empresas - algo incomum na China.

O governo elevou os juros para desestimular crédito de curto prazo que alimenta a expansão do sistema bancário paralelo, que movimenta um terço dos financiamentos totais do país. Isso não só reduziu os fluxos financeiros para rolagem de dívidas como também a produção industrial de abril, que evoluiu 6,5% (ante 7,6% em março). Se o aperto persistir, o que é duvidoso, a taxa de investimentos em infraestrutura e em imóveis, aquecidas pelos estímulos creditícios concedidos em 2016, também irão recuar. No primeiro quadrimestre, a primeira aumentou 23,3% e a última, 9,3%.

A economia provavelmente está crescendo abaixo dos 6,9% do primeiro trimestre e a meta dos burocratas chineses para o ano é algo em torno de 6,5%. No início de 2016, diante dos temores de uma desaceleração mais acentuada, que ameaçasse o piso de expansão estabelecido, o governo deu alguns passos atrás, reduziu juros e incentivou investimentos, ampliando para além de limites já perigosos o endividamento das empresas e dos governos locais.

Esse movimento contracíclico passou a ser típico desde a crise de 2008, com a diferença de que o modelo econômico chinês busca fazer uma transição para elevar a fatia do consumo interno e reduzir a dependência das exportações, o que implicava exatamente a redução da fatia do investimento em relação ao PIB. Diante de dívidas muito altas dos governos locais, por meio dos quais o sistema bancário paralelo é alimentado, o governo trocou parte das dívidas por títulos, protelando de certa forma o ajuste financeiro.

O aperto no crédito provocou uma interrupção recente no ciclo de alta global das commodities e, se depender da China, elas não subirão muito mais no curto prazo, porque a demanda chinesa tende a declinar. Esse aperto tende a ser limitado pois depende dos objetivos de Xi Jinping, que não quer arranhar suas credenciais com a queda abrupta da expansão, no momento em que pretende consolidar sua liderança e indicar seus aliados para postos chaves no 19º Congresso do PC chinês, em novembro.

Os riscos formados pela bolha de crédito, pela fragilidade do sistema bancário paralelo, pelo endividamento elevado e o excesso de capacidade de produção estão sendo contornados há tempos com paliativos. Há limites para essa abordagem, mas os investidores até agora acreditaram na capacidade da liderança chinesa em não atingi-los. Para evitar esses riscos, a economia chinesa tem que desacelerar. Com a força do consumo atual, a economia cresceria algo como 3% a 4% (Martin Wolf), o que significa que só será possível crescer a 6% ampliando ainda mais o endividamento. Em países democráticos, uma crise já teria estourado. Mas é questão de tempo até que as autoridades chinesas tenham de encarar sem subterfúgios as ameaças que se acumulam em seu sistema econômico.

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