quinta-feira, 1 de junho de 2017

Era da incerteza | Míriam Leitão

- O Globo

O número de desempregados estacionado em 14 milhões reforçou a convicção de que o Banco Central tinha mesmo que continuar reduzindo os juros, independentemente da conjuntura política de absoluta incerteza do Brasil. O país vive um momento em que se restabeleceu a credibilidade do regime de metas de inflação, o que dá a principal garantia para reduzir os juros.

Eles caíram para 10,25%, e o corte de 1 ponto poderia ter sido maior não fosse a convulsão política provocada pela inconveniente conversa entre o presidente Temer e o empresário Joesley Batista. O BC apontou que as reduções serão menores daqui para frente por causa dessa incerteza. Fosse apenas pela economia, o ritmo de 1 ponto poderia ser mantido. Hoje, o IBGE divulgará um bom indicador do PIB, mas infelizmente ele não representa o começo da recuperação sustentada, mas um sinal de melhora produzido por poucos fatores, principalmente a agricultura. Sabese que não se repetirá no segundo trimestre na mesma dimensão e há projeções de que poderá ser negativo.

O Brasil está em uma conjuntura estranha em que o presidente da República terá que responder a interrogatório da Polícia Federal por ter se comportado de forma absolutamente inadequada no exercício da função. A blindagem constitucional dada a presidentes por fatos que ocorreram antes do mandato não se estende a ele, porque o malfeito ocorreu em março de 2017.

Ao mesmo tempo, ele se agarra em algumas coisas para permanecer no cargo. Uma delas é a melhora na economia, ainda que refletida em poucos indicadores. A inflação está abaixo da meta e deve cair ainda mais em junho, pela redução dos preços da energia e dos combustíveis. Isso tem efeitos benéficos que vão das contas públicas, à política monetária e ao orçamento doméstico. Além disso, o país teve no primeiro trimestre, como ficará claro hoje, o primeiro trimestre de crescimento desde 2014 e desta vez pode ter ficado em torno de 1%.

Mesmo assim, com o agravamento da crise política houve uma reversão de expectativas que deve se refletir no consumo e em investimentos que começavam a ser retomadas. Há relatos de empresários de que a redução de compras no varejo chegou a 10% nos dias seguintes à divulgação da delação da JBS.

O dado do desemprego divulgado ontem, relativo ao trimestre encerrado em abril, não surpreendeu e ficou praticamente estável em relação ao trimestre terminado em março. Era 13,7% e caiu para 13,6%. Com os mesmos 14 milhões de desempregados. Mas houve piora recente, que pode ser vista quando se compara o trimestre terminado em dezembro com o terminado em abril: houve aumento de 1,7 milhão de desempregados. Quando a comparação é feita com o mesmo período de 2016, o número é ainda mais assustador: três milhões a mais.

A crise política colocou os economistas, investidores e empresários em compasso de espera. O que vem pela frente em caso de não aprovação das reformas pode ser tão ruim que todos estão aguardando um desfecho mais claro do impasse político antes de tomar qualquer decisão. O economista José Márcio Camargo, da Opus Gestão de Recursos, diz que os próximos três meses serão decisivos para a economia:

— Há basicamente dois cenários. Um em que as reformas andam e outro em que elas param no Congresso. O segundo é muito negativo. Se o Temer ficar e não conseguir aprovar as reformas, teremos uma deterioração grande da crise, com desvalorização cambial. A janela para o mercado é algo entre 2 e 3 meses, esse é o tempo para se sentir a direção que a coisa vai tomar.

Camargo aposta que o cenário mais provável é de separação entre a crise política e a agenda de reformas. Acha que o Congresso vai seguir com as votações e defende que concluir a reforma trabalhista é crucial para diminuir o desemprego, mais até do que a reforma da Previdência. Por ora, avalia que o agravamento da crise é “deflacionário”, e por isso diz que o BC fez certo em continuar cortando os juros. A dúvida é o que vai acontecer em caso de piora da crise de confiança, que poderia levar a uma maxidesvalorização do real, algo acima de 30% em um curto espaço de tempo.

Neste primeiro semestre, não havia mesmo expectativa de melhora no mercado de trabalho, mas a piora da situação política jogou dúvidas para o restante do ano. Aliás, a política conseguiu embaralhar todos os cenários que têm sido montados pelos economistas.

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