segunda-feira, 5 de junho de 2017

Não é hora de desacelerar o programa de concessões – Editorial | Valor Econômico.

A súbita mudança de perspectiva na agenda política, causada pela delação premiada do empresário Joesley Batista, da JBS, e pelo consequente enfraquecimento do presidente Michel Temer, provocou apelos da iniciativa privada para a continuidade das reformas econômicas, em especial a da Previdência Social, independentemente do desfecho da crise ou da eventual necessidade de eleições indiretas nos próximos meses. Não importa quem esteja ocupando o Palácio do Planalto, manter um quadro em que 54% das despesas primárias da União destinam-se a aposentadorias e pensões coloca o país no caminho da insustentabilidade. Essa amarra à modernização da economia é reforçada pelo engessamento de leis trabalhistas criadas há mais de sete décadas, que podem ganhar sobrevida com o agravamento da crise e a desarticulação da base aliada.

Da mesma forma que empresários e agentes econômicos têm clamado pela aprovação das reformas, com ou sem Temer no comando do governo, outro consenso se faz igualmente necessário: as concessões na área de infraestrutura precisam continuar.

Sobram exemplos recentes de sucesso na oferta de ativos para o setor privado. A distribuidora goiana de energia Celg-D foi vendida por R$ 2,187 bilhões - ágio de 28% - à italiana Enel em novembro do ano passado. Sem artificialismos como a presença societária da Infraero ou financiamento subsidiado do BNDES, os quatro aeroportos licitados em março último - Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e Florianópolis - trouxeram ao país renomadas operadoras europeias. Logo em seguida, o leilão de linhas de transmissão terminou com 31 dos 35 lotes arrematados. Cada um foi disputado, em média, por sete empresas ou consórcios. A forte concorrência garantiu um desconto de 36% sobre a receita-teto definida para os investidores.

A parte mais desafiadora do programa de concessões ainda está por vir: distribuidoras de energia altamente deficitárias, rodovias com tráfego relativamente baixo e uma ferrovia que cruza a região amazônica. Na tentativa de romper um tabu, o governo se preparava para privatizar a Codesa, companhia docas responsável pela administração dos portos organizados no Espírito Santo. E já cogitava desestatizar mais aeroportos hoje geridos pela Infraero.

Essa é uma agenda que deve prosseguir. É razoável aceitar que investidores demonstrem menos apetite no curtíssimo prazo e possam pedir taxas de retorno um pouco maiores para mitigar seus riscos imediatos, mas não faz sentido que tenha desaparecido o interesse por projetos de longa duração, cujos contratos normalmente são de 30 anos ou mais. Além disso, seria um retrocesso ver o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a Infraero ou a Valec como alternativas viáveis para duplicar estradas, ampliar aeroportos ou construir uma rede de trilhos minimamente condizente com as necessidades logísticas do país.

Uma experiência que merece ser mantida, mesmo em caso de queda de Temer e eleição de um novo presidente, é o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Criado no ano passado, o PPI tem um núcleo enxuto de técnicos que faz a interlocução entre os diversos ministérios e agências reguladoras envolvidas no processo decisório das concessões. Trata-se de uma força-tarefa, encabeçada por técnicos com amplo conhecimento no setor de infraestrutura, que tem dado agilidade e voz de comando em decisões antes carentes de coordenação.

Obviamente há muitas pendências a resolver e aperfeiçoamentos possíveis. Os vencedores dos leilões nunca conseguiram implementar um verdadeiro "project finance" e há excessiva dependência de garantias corporativas ou de fianças bancárias durante o período de obras. A substituição do BNDES por debêntures e mecanismos alternativos de financiamento ainda desperta dúvidas.

De qualquer forma, pode-se afirmar que o programa de concessões está na direção correta e deve seguir em frente. Desacelerar estudos de viabilidade, minutas de edital e preparativos de licitações neste momento se configuraria um equívoco. Se o governo Temer continuar, resta apenas um ano e meio para tirar do zero, por exemplo, novas privatizações de aeroportos. Se houver mudança na chefia do Executivo, o mais sensato é manter o PPI tal como está.

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