quarta-feira, 7 de junho de 2017

O envelhecimento da carga tributária | Cristiano Romero

- Valor Econômico

A desindustrialização tornou-se um problema fiscal

A indústria brasileira vive uma penosa estagnação que já dura mais de uma década. A produção industrial como um todo está, neste momento, no mesmo nível de 2004, sendo que a produção da indústria de transformação situa-se no patamar de 2003. Este fato não é motivo de preocupação apenas para industriais e simpatizantes; ele atormenta também as autoridades, uma vez que cerca de metade da arrecadação tributária nacional vem da taxação de bens e serviços.

O encolhimento da participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) pode explicar, em parte, a queda estrutural da carga tributária ocorrida no país nos últimos anos. Sabe-se que a carga de impostos diminuiu em razão de uma série de fatores, como a forte desaceleração da economia desde 2011 e a profunda recessão dos últimos três anos. Há fortes indícios, porém, de que a estagnação da indústria, iniciada bem antes de 2011, ajude também a explicar o fenômeno.

O economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, e seu colega Kleber Castro calculam que a carga tributária brasileira diminuiu de 34,8% para 32,7% do PIB entre 2008 e 2016 (número ainda preliminar), uma queda, portanto, de 2,1 pontos percentuais. No caso apenas dos tributos federais, o recuo teria sido maior - de 2,4 pontos percentuais.

Afonso, um dos maiores especialistas do país em finanças públicas, constatou que, no âmbito federal, a arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) contraiu 0,5 ponto percentual dos 2,4 pontos mencionados, entre 2008 e 2016. De 2011 a 2016, da contração de 4,2%, em termos reais, verificada na arrecadação federal, um dos destaques foi a redução de 22% veio das receitas provenientes da indústria de transformação.

Quando se observa o que ocorreu com a contribuição previdenciária, que financia a Previdência Social, a perda de arrecadação, no período mencionado, foi de 2,2% em termos reais, mas o maior recuo (-11%), dentro desse tributo, veio também da indústria de transformação - fato explicado, parcialmente, pelo desordenado processo de desoneração da folha de pagamento promovido pelo governo Dilma Rousseff.

Há um ano, Lívio Ribeiro, outro pesquisador do Ibre, concluiu que a correlação positiva existente entre variação do PIB e arrecadação tributária no Brasil diminuiu após a crise global de 2008. Fatores como as alterações que reduziram alíquotas, criaram regimes diferenciados e promoveram desonerações e sucessivos programas de refinanciamento de dívidas com o Fisco (Refis); e a redução do ritmo de formalização de trabalhadores explicariam a diminuição dessa correlação.

"A indicação é de que, na melhor das hipóteses, a elasticidade da arrecadação ao PIB não retomará os níveis confortavelmente acima de 1 que caracterizaram a bonança fiscal da década passada. Quando se pensa o futuro das receitas tributárias no Brasil, tanto a curto quanto a médio e longo prazo, o panorama é preocupante", afirma o diretor do Ibre, Luiz Guilherme Schymura, que trata do tema na Carta da Conjuntura, ainda inédita, da entidade. "Há razões para crer que, se e quando a economia voltar a crescer, a retomada da arrecadação não deve ser exuberante."

O cenário mais preocupante é aquele em que as mudanças estruturais por que passa a economia brasileira agravarão o problema tributário. Muito provavelmente, a forma como e de quem se cobra imposto no Brasil envelheceu. O sistema tributário brasileiro foi forjado nos anos 60, sob a ideia de que a indústria sempre lideraria o crescimento do país. Esta realidade já não existe há um bom tempo.

O trabalho de José Roberto Afonso revela que os setores de maior incidência tributária sobre a receita são a indústria de transformação (19,1%), a indústria extrativa (22,5%) e os serviços de utilidade pública (19,1%). As atividades financeiras e o comércio respondem, respectivamente, por 11,9% e 10%, e o agronegócio, setor mais dinâmico da economia na atualidade, por 3,4%.

Hoje, o maior setor da economia nacional é o de serviços, que, na composição do PIB, responde por 63% - era 55% em 2004. Esta parece ser uma tendência inexorável de uma economia como a brasileira, que, neste aspecto, se assemelha muito à americana - com população grande, de alta propensão ao consumo e níveis acanhados de poupança, em que o setor de serviços prepondera. Em economias como esta, importam-se em grande quantidade capitais, além de bens e serviços.

A indústria, como se sabe, encolheu bastante no Brasil - entre 2004 e 2016, de 24% para 18% do PIB, segundo Schymura. No mesmo período, a agropecuária caiu de 6% para 5%, apesar do boom ocorrido no agronegócio, o que também chama a atenção. "A estrutura tributária nacional não acompanhou essa mudança das contas nacionais e seguiu muito dependente da atividade industrial. É importante começar a pensar em redistribuir o ônus de financiar o Estado pelos setores da economia brasileira e também rever as figuras tributárias", defende Schymura.

O diretor do Ibre lembra que parte dos serviços já é bastante taxada, como os serviços de utilidade pública (telecomunicações e energia, por exemplo), e que não é o caso de se defender coisas do tipo porque, no fim, isso só ajudaria a piorar a situação, uma vez que nivelar a taxação por cima aumentaria ainda mais o custo Brasil.

Afonso, por sua vez, observa que está ultrapassada a velha máxima dos tributaristas, segundo a qual, "imposto bom é imposto velho". "Na verdade, as mudanças na economia trazidas pela informática e pela internet criam atividades econômicas 'sem circulação de mercadorias' e que evadem a própria classificação como 'serviço'. É o mundo de negócios e facilidades digitais gigantes como Uber, Netflix, Spotify e Airbnb, pouco ou nada tributados. Em alguns casos, essas plataformas se autocaracterizam como de 'compartilhamento', escapando do alcance do Fisco", explica Schymura.

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