quinta-feira, 22 de junho de 2017

Porandubas Políticas | Gaudêncio Torquato

- Migalhas

"Seu Lunga" foi personagem constante de nossa coluna em seus primórdios. Hoje, ressuscito essa interessante figura, o rei da ignorância, nos termos do poeta popular Luiz Alves da Silva, em seu folheto de literatura de cordel:

"Seu Lunga chegou em casa
Com um leite que comprou
Tinha dez litros no balde
A mulher lhe perguntou:
- Ó Lunga, é pra cozinhar?
Com isso ele se irritou
- Mulher, esse leite eu trouxe
Pra tomar banho com ele
Pegou o balde e depressa
Derramou por cima dele
Passou o dia todinho
Com moscas pousando nele.

Um dia Seu Lunga foi
Fazer compras lá na feira
Viu uma galinha gorda
Da chamada capoeira
Comprou e deu à mulher
Que lhe falou prazenteira:
- Ó Lunga, é pra matar?
Seu Lunga de raiva esturra:
-Não mate a bichinha, não
Apenas lhe dê uma surra.
Que você ou a galinha
Veio ao mundo pra ser burra".

O cenário

Vamos à análise política.

1ª derrota: reforma trabalhista
O governo tomou um susto com a derrota por 10 a 9 da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado. Estava muito confiante a ponto de não ter feito monitoramento da votação. Conversa de bastidor dá conta de participação do líder do PMDB no Senado, senador Renan Calheiros, que teria trabalhado para derrotar o governo. Renan tem agido como gangorra: sobe e desce, elogia e ataca o governo. Essa derrota pode ser a gota d'água nas relações entre o Palácio do Planalto e o parlamentar alagoano.

CCJ e plenário
A reforma trabalhista deverá seguir normalmente para a CCJ, que apreciará questões legais e constitucionais do projeto, e após a votação irá ao Plenário. O governo, por meio de seus interlocutores, expressa otimismo, dizendo que a reforma na legislação trabalhista passará positivamente pela CCJ, devendo também ser vitoriosa no plenário do Senado. A conferir.

Termômetro da crise
Depois de atingir o estado febril de 42º C, a crise aliviou sua intensidade, nos últimos dias, chegando aos 40º. A febre ainda é alta, mas não a ponto de deixar em coma o corpo governamental. A entrevista de Joesley Batista à revista Época está sendo considerada bumerangue, ou seja, voltando-se contra o entrevistado. Sem fatos novos, o homem das carnes caprichou nos adjetivos. E a capa escandalosa de Época permitiu que os leitores chegassem à essa análise: "como um sujeito que confessa uma infinidade de crimes e ter colocado no saco de seus recursos quase dois mil políticos se apresenta-se como inocente, ganhando benesses do procurador-Geral da República?"

Exageros jornalísticos
É evidente que é de interesse da mídia obter entrevistas exclusivas, principalmente quando se trata de personagens polêmicas que estão no foco dos principais assuntos nacionais. Mas todo cuidado deve ser tomado para evitar excessos. Dizer que o presidente é o quadrilheiro mais perigoso do país é dizer que qualquer grande criminoso já condenado e preso é menos pernicioso. Adjetivação exagerada e superlativos não podem ser usados e abusados pela mídia. Onde estão os limites? Esse tipo jornalismo pode alargar a temporada de irresponsabilidades: acusações baseadas em suposições, frenético jogo acusatório, uso da mídia como arma de combate, etc.

Chico Heráclio
Chico Heráclio (1885-1974), o poderoso dono do poder nas plagas de Limoeiro/PE, sabia como ninguém interpretar o ânimo dos eleitores. Dominava o voto de cabresto no agreste pernambucano e vizinhanças. Mas não conseguia encher as urnas na capital. Indagado sobre o motivo, a raposa política saiu-se com esta: "o eleitor do Recife é muito a favor do contra". Pois bem, a máxima do último dos coronéis, como era designado, serve para explicar a disposição do eleitorado brasileiro das grandes cidades, no ciclo eleitoral em curso, que deixa ver um cidadão "muito a favor do voto contrário". O rol de qualificações deste eleitor é extenso: indignado, revoltado, saturado, descrente, desesperançoso, cansado. Esse deverá ser o perfil do eleitor em 2018.

Kramer alerta
Paulo Kramer, o preparado cientista político, faz um alerta a partir de Brasília. Diz ele: "os analistas políticos e econômicos entraram em pânico, provocando um início de incêndio no mercado e na bolsa. Acho que é cedo demais para 'cantar derrota'". Kramer tem razão. Até porque o plenário do Senado, que é soberano, pode vir a aprovar a reforma trabalhista. Em minha régua, a chance de 0 a 10 é de 9.

Altos e baixos
O fato é que a imagem de um disputado jogo de basquete cai bem na moldura institucional. As oposições ao governo – a partir de protagonistas do MP, PF e Poder Judiciário – fazem cestas, passando à ofensiva, liderando o placar; aí o presidente Michel Temer, de maneira surpreendente, consegue reagir ao jogo, corre em campo e ultrapassa o escore dos adversários. Conta com bons jogadores na esfera parlamentar. Os opositores se valem do bombardeio midiático, liderado pelo grupo de comunicação mais poderoso do país. Avançam. O placar, hoje, situa o presidente com alguns pontos à frente. A derrota da reforma trabalhista na CAS anima os grupos oposicionistas. Mas há ainda muito jogo pela frente. Altos e baixos permeiam a dinâmica das estratégias.

Posição do sistema Globo
O sistema Globo – Tvs e jornal – tomou posição contra o presidente Michel Temer. A decisão foi estampada em editorial do jornal. E quando uma posição dessa importância ocorre – e de maneira escancarada – o grupo certamente quer fazer valer seu ponto de vista. Daí o bombardeio sobre a figura presidencial. Inferência: o grupo esperava pela renúncia de Michel Temer desde a primeira estocada. Como não ocorreu, a Globo teria decidido intensificar a artilharia. A estratégia para derrubar o presidente acabou na boca de núcleos, como formadores de opinião, profissionais liberais, redes sociais. Um libelo acusatório contra o sistema Globo emerge, ensejando estupor, indignação e protestos.

Homologação
Hoje, quarta, o STF deverá decidir sobre a validade da delação da JBS. Tudo indica que aprovará a homologação feita pelo ministro Edson Fachin. Afinal uma decisão em contrário deixaria o ministro em maus lençóis. O Supremo julgará recurso do governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), que questiona competência de Fachin para relatar o caso JBS, pois esta investigação não se relacionaria com o caso Petrobras (Lava Jato).

Elos e imbricações
Os elos se formam: a fortaleza do governo depende da esfera política, a qual, por sua vez, está de olho na recuperação da economia. Os dados positivos da economia e a perspectiva de crescimento do PIB são as vitaminas que animam a classe política e, por conseguinte, integram a base de sustentação do governo. Essa é abordagem exógena. Mas há imbricações internas, endógenas, que funcionam como ameaça ou apoio. Por exemplo: as divisões que existem no interior das bancadas governistas – a partir do PSDB – também funcionam como termômetro da crise. Os "cabeças pretas" do tucanato (os mais jovens) querem deixar o governo; os "cabeças brancas" (os mais velhos) acenam com a permanência. Colar todos esses cacos do vaso governamental tem sido tarefa hercúlea do presidente.

Denúncia do Janot
Janot deve entrar na próxima semana com mais uma denúncia contra o presidente Michel Temer. E pedirá ao STF investigação para apurar os fatos que deverão ancorar a denúncia. Mas o presidente só pode ser investigado por autorização da Câmara Federal e pelo quorum de 2/3 dos votos: 308. Rodrigo Janot quer ter seu nome na história como o homem que derrubou Michel Temer. Se não houver fato novo, não conseguirá o intento.

Coisas encobertas
Há muita coisa a ser esclarecida sobre fatos e versões que correm na farta mesa das grandes interrogações: afinal, o ministro Edson Fachin encontrou-se ou não com Joesley Batista em jantar que teria se prolongado pela madrugada? O senador Renan esteve ou não nesse jantar? Por que Rodrigo Janot tem tantos desafetos na PGR e qual é seu desempenho no processo de sua sucessão? Os diálogos gravados entre procuradores o comprometem ou não? Por que Fachin avocou a si a relatoria do caso JBS, ante a versão de que teria sido ajudado pelo grupo em sua campanha para se tornar ministro do Supremo?

Caixa dois
É muito provável que os casos de políticos implicados no caixa 2 de campanha eleitoral sejam suspensos. O próprio procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, patrocina esta tese. Centenas de políticos, portanto, se veriam livres de processos nessa esfera.

Lição de Maquiavel
Lafaiete Coutinho, ex-presidente do BB, envia oportuno lembrete: "Para Maquiavel, a empreitada de impor grandes inovações é tão arriscada para os governantes que se eles dependerem da persuasão – não usando a força – fracassarão sempre sem conseguir coisa alguma. As reformas estruturais e a implantação de uma economia de mercado que Collor procurou realizar o tornaram bastante vulnerável. Como ensinava Maquiavel, ele empregou contra si as forças que se beneficiavam da situação anterior e o ceticismo dos que seriam beneficiados por sua reforma, que somente iriam aderir com o sucesso a ser obtido ao final".

Fecho a coluna com causos contados por Saulo Pessanha, em seu Anedotário Político.

Quatrocentão
O paulista Toledo Piza estava lançando uma expressão que se tornaria famosa quando, com empáfia, disse:

- Considero-me um paulista quatrocentão e um brasileiro autêntico, pois meus ancestrais, que aqui chegaram em 1.500, construíram São Paulo.

Osvaldo Aranha retrucou em cima:

- Pois os meus ancestrais, quando os seus chegaram, perguntaram: o que é que esses estrangeiros vieram fazer aqui?

Propaganda
Falava com um grupo de diplomatas argentinos, quando um deles lhe perguntou por que os brasileiros tinham fama, na Argentina, de gostar de homem, dando preferência aos parceiros do que às próprias mulheres. Osvaldo Aranha respondeu na lata:

- Isso é apenas propaganda nossa, para incentivar o turismo que vem do Rio da Prata...

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