quinta-feira, 1 de junho de 2017

Senadores amenizam fim do foro privilegiado

Enquanto o Supremo Tribunal Federal começava a julgar proposta de restringir o foro privilegiado, o plenário do Senado correu para amenizar a emenda constitucional que prevê o fim da prerrogativa. Pela proposta aprovada em segundo turno pelos senadores, voltou a ser necessária autorização do Congresso para que seja mantida a prisão em flagrante de parlamentares.

STF avança para fim do foro; Senado recua

Pressionados, senadores aprovam texto que dá ao Congresso palavra final sobre parlamentares presos

Fernanda Krakovics, Carolina Brígido, André de Souza | O Globo

-BRASÍLIA- No mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar restrição ao foro especial, o plenário do Senado aprovou em segundo turno, por 69 votos e uma abstenção, proposta de emenda constitucional que acaba com o foro privilegiado para 54 mil autoridades, inclusive integrantes do Poder Judiciário e do Ministério Público. A PEC foi encaminhada para a Câmara. Do primeiro para o segundo turno de votação, porém, os senadores recuaram e mantiveram a exigência de consulta aos plenários da Câmara e do Senado para a manutenção da prisão de deputados e senadores em casos de flagrante por crime inafiançável.

Pela proposta aprovada ontem, o foro privilegiado só será mantido para o presidente e o vice-presidente da República, para os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), da Câmara e do Senado, no caso de crimes relacionados ao mandato.

No Senado, o relator da PEC, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), havia derrubado a prerrogativa dos parlamentares de terem a prisão em flagrante confirmada pelo Congresso, mas disse que teve que restabelecê-la para viabilizar a aprovação da proposta em segundo turno: — Não é o ideal, mas não houve acordo. Durante a tarde, senadores fizeram pressão para votar a proposta de emenda constitucional por causa do julgamento no STF sobre o mesmo tema.

— Corremos o risco de sermos atropelados pelo Supremo, que tem, na pauta de hoje, essa questão relacionada a restrições ao foro privilegiado — disse a senadora Ana Amélia (PP-RS).

No STF, o julgamento sobre foro será retomado hoje. Ontem, apenas o relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou. Se a tese dele for referendada pela maioria na Corte, apenas 10% dos processos penais abertos hoje permaneceriam no STF. O restante será transferido para outras instâncias do Judiciário, segundo números apresentados pelo próprio Barroso. Para ele, deveriam ser julgados no Supremo apenas crimes cometidos por autoridades no exercício do cargo, por fatos diretamente relacionados à função pública.

— Parece claro que se o foro privilegiado pretende ser, de fato, um instrumento para garantir o livre exercício de certas funções públicas, e não para acobertar a pessoa ocupante do cargo, não faz sentido estendê-lo aos crimes cometidos antes da investidura nesse cargo e aos que, cometidos após a investidura, sejam estranhos ao exercício de suas funções. Fosse assim, o foro representaria reprovável privilégio pessoal — disse o relator.

PELO MENOS MAIS CINCO VOTOS COM O RELATOR
Ao votar, Barroso fez uma dura crítica à regra do foro. Para ele, o sistema criou “um país de ricos delinquentes” que apostam na impunidade. Isso porque, com tantos processos levados ao STF pela regra do foro, há demora na punição ou mesmo prescrição do crime antes do julgamento.

— O sistema é ruim, funciona mal, traz desprestígio para o Supremo, traz impunidade. Eu penso que a impunidade em geral no Brasil é decorrente de um sistema punitivo ineficiente, não apenas aqui. O sistema fez com que o direito penal perdesse seu principal papel, que é o de funcionar como prevenção geral. As pessoas não praticam crimes pelo temor de que vão sofrer consequência negativa. Criamos um direito penal que produziu um país de ricos delinquentes. No Brasil, as pessoas são honestas se quiserem, porque se não quiserem não acontece nada. É preciso enfrentar esse sistema — disse Barroso.

A expectativa é de que pelos menos outros cinco dos 11 ministros do STF apoiem a mudança na regra do foro. No entanto, um eventual pedido de vista pode adiar a decisão para data indefinida. Se houver decisão, pelo menos onze dos 76 inquéritos abertos no mês passado a partir da delação da Odebrecht deixarão o Supremo, diminuindo o tamanho da Lava-Jato na mais alta corte do país. O primeiro a votar na sessão de hoje será Edson Fachin, o relator da Lava-Jato, que deve concordar com Barroso.

No voto, o ministro ressaltou que os processos já estiverem instruídos, prontos para serem julgados, devem continuar no STF para o julgamento final, sem a transferência do foro, para não atrasar a conclusão dos casos. A proposta de Barroso foi apresentada como questão de ordem e poderá ter repercussão geral – ou seja, a regra aprovada pelo tribunal poderá ser aplicada por todos os juízes do país.

Barroso ressaltou que o STF, por ser uma corte constitucional, não costuma desempenhar bem o papel de julgador de temas penais. Ele afirmou que 200 processos desse tipo já prescreveram antes mesmo do julgamento final, por excesso de prazo tramitando. Ele citou o julgamento do deputado Paulo Maluf (PP-SP) na semana passada. Dos cinco crimes de lavagem de dinheiro aos quais o parlamentar foi acusado, quatro prescreveram. Maluf foi condenado por apenas um dos crimes.

Ainda segundo o relator, a cada três ações penais, duas não são julgadas pelo STF. Isso acontece ou por prescrição, ou pela mudança de foro no meio da tramitação. Ele também afirmou que, no STF, o tempo médio de duração de um processo é de 1.377 dias. Também de acordo com o ministro, há processos que tramitam por mais de dez anos. Para o ministro, o STF deveria se ocupar preferencialmente com temas constitucionais e o “equacionamento das grandes questões nacionais”. Ele lembrou que, em 2012, o julgamento do mensalão tomou 69 sessões do plenário do STF e engessou a atuação do tribunal em outros assuntos.

GILMAR: VIA DE REGRA, SUPREMO É MAIS EFICIENTE
Embora não tenha votado, o ministro Gilmar Mendes deixou claro que discorda de Barroso. Ele lembrou que a justiça comum também não conduz bem as investigações criminais. Segundo ele, apenas 8% dos homicídios no Brasil são julgados. Ele também lembrou que, em Alagoas, há cinco mil homicídios sem que os inquéritos sequer tenham sido abertos.

— É esse o dado brasileiro. A comparação normalmente é feita com o juiz Moro em Curitiba, e não com o primeiro grau da justiça brasileira, que é menos eficiente do que o gabinete no Supremo — ponderou Gilmar.

Antes do voto de Barroso, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu a proposta como forma de evitar que o STF não consiga julgar todos os processos criminais que recebe.

— Se não houver mudança de paradigma, o Supremo retornará ao tema por imperativo prático. O aumento exponencial de demanda de processos criminais irá inviabilizar o andamento da Corte em breve espaço de tempo — alertou o chefe do Ministério Público Federal.

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