quinta-feira, 27 de julho de 2017

A escultura folheada | Joaquim Cardoso

Aqui está um livro
Um livro de gravuras coloridas;
Há um ponto-furo. um simples ponto
simples furo
E nada mais.

Abro a capa do livro e
Vejo por trás da mesma que o furo continua;
Folheio as páginas, uma a uma.
- Vou passando as folhas, devagar,
o furo continua

Noto que, de repente, o furo vai se alargando
Se abrindo, florindo, emprenhando,
Compondo um volume vazio, irregular, interior e conexo:
Superpostas aberturas recortadas nas folhas do livro,
Têm a forma rara de uma escultura vazia e fechada,
Uma variedade, uma escultura guardada dentro de um livro,
Escultura de nada: ou antes, de um pseudo-não;
Fechada, escondida, para todos os que não quiserem
Folhear o livro.

Mas, prossigo desfolhando:
Agora a forma vai de novo se estreitando
Se afunilando, se reduzindo, desaparecendo/surgindo
E na capa do outro lado se tornando
novamente
Um ponto-furo, um simples ponto
simples furo
E nada mais.

Os seres que a construíram, simples formigas aladas,
Evoluíam sob o sol de uma lâmpada
Onde perderam as asas. Caíram.
As linhas de vôo, incertas e belas, aluíram;
Mas essas linhas volantes, a princípio, foram
se reproduzindo nas folhas do livro, compondo desenhos
De fazer inveja aos mais “ sábios artistas”.
Circunvagueando, indecisas nas primeiras páginas,
À procura da forma formante e formada.
Seus vôos transcritos, “refletidos” nessas primeiras linhas,
Enfim se aprofundam, se avolumam no vazio
De uma escultura escondida, no escuro do interno;
Somente visível, “de fora”, por dois pontos;
Dois pontos furos: simples pontos
simples furos
E nada mais.

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