domingo, 9 de julho de 2017

Cotas falhas – Editorial | Folha de S. Paulo

Há muito de ilusório no que comumente se chama de meritocracia. Uma grande capacidade intelectual, por exemplo, pode estar mais associada à loteria genética do que a esforços pessoais. O decisivo entorno familiar e cultural também se subordina ao acaso.

Tais noções, mais o valor da multiplicidade cultural e de experiências, reforçam a ideia de que é legítimo e desejável tornar as universidades públicas mais diversas e, nesse processo, contribuir para que estratos socialmente prejudicados se emancipem.

Mais importante instituição de ensino superior do país, a USP por anos resistiu à adoção de ações afirmativas. Cedeu agora às pressões e implantará cotas sociais e raciais, conforme deliberação de seu Conselho Universitário.

Metade das vagas será destinada à ampla concorrência; as demais serão reservadas a estudantes oriundos da escola pública, com critérios de diversidade racial.

A introdução do sistema será paulatina. Neste ano, 37% dos ingressantes na universidade paulista vieram da rede pública. O percentual deve aumentar ano a ano, até 50% em 2021.

Esse contingente deverá refletir a proporção de pretos, pardos e índios na população do Estado, que é de 37%. Dessa maneira, 18,5% dos alunos da USP serão selecionados a partir desse método, ao final do período de implementação.

Esta Folha lamenta o modelo adotado. Aqui se defende há tempos que o critério para ingresso especial nas universidades seja exclusivamente social.

Renda, ao contrário de cor, é algo objetivamente mensurável. Além do mais, dada a estreita correlação entre pobreza e pele mais escura, os negros também estariam dessa maneira contemplados.

Tal política evitaria ainda a proliferação das infames comissões de classificação racial, que evocam alguns dos piores momentos da humanidade. Parece mera questão de tempo a demanda por colegiados desse tipo na USP, para combater "fraudes" na autodeclaração -como se isso fosse logicamente possível.

No mais, não faz sentido sustentar que uma família branca tão carente quanto uma negra não deva receber o apoio do poder público apenas devido a sua cor.

Para a meta de buscar uma sociedade mais igualitária, há um debate relevante e infelizmente negligenciado na agenda pública. Trata-se da cobrança de mensalidades dos alunos cujas famílias tenham condições de pagá-las.

Hoje os impostos incidentes sobre todos, incluindo os mais pobres, financiam a formação de pessoas que, se já não figuram entre as mais ricas, tenderão a alcançar renda acima da média apenas por conseguirem título universitário.

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