terça-feira, 18 de julho de 2017

Defeitos do modelo | Míriam Leitão

- O Globo

A OMC disse que o Brasil é fechado, não integrado ao mundo, tem um sistema tributário complexo, um setor bancário concentrado, concede muito subsídio, e a política industrial não funciona. Até aí, tudo certo, mas o governo reagiu, discordando. As afirmações são verdadeiras, e o governo está há tão pouco tempo no poder que não deveria defender um modelo que pode e deve ser reformado.

O Brasil é de fato fechado e isso é sobretudo um problema para nós mesmos, porque a chance de sucesso na economia deste século é a integração nas cadeias globais de suprimento. O sistema tributário é um tormento. Consegue ser complicado para quem quer pagar, e cheio de brechas para quem quer evadir ou sonegar. Isso precisa ser corrigido dentro de uma agenda de reformas. A tributária precisa ser prioridade em algum momento para aumentar a eficiência econômica, para ampliar o público pagante, para reduzir as irracionalidades.

A presença do Estado na economia brasileira é, sim, excessiva, controlando inúmeras empresas de diversas áreas. O relatório faz uma lista de áreas nas quais o governo federal controla empresas e cita: petróleo, eletricidade, portos, bancos, transportes, telecomunicações. E lembra que em alguns setores as empresas estatais são dominantes. E isso sem falar nas empresas controladas por outros níveis de governos, estaduais e municipais. Cita ainda alguns setores fechados para companhias nacionais, como aviação aérea interna e a navegação de cabotagem.

A política industrial não melhorou mesmo a competitividade do Brasil, como diz a OMC. Um dos programas foi o Inovar Auto, que não resolveu o problema da baixa produtividade da indústria automobilística brasileira. A do México, por exemplo, tem uma produção por trabalhador que é quase o dobro da do Brasil, segundo o relatório.

O setor automotivo brasileiro foi definido como “orientado para o mercado interno e protegido”. Os impostos elevados, a baixa competitividade e as barreiras comerciais têm ajudado a manter os preços dos automóveis no país “relativamente elevados”.

“A maioria dos produtores estrangeiros não integrou suas plantas do Brasil às cadeias globais de valor, a produtividade caiu fortemente em relação a outros produtores de automóveis da região, que estão totalmente integrados às cadeias globais de produção e têm alcançados ganhos na participação do comércio mundial”, disse a OMC.

A OMC avaliou que a política industrial tornou a indústria mais dependente do Estado e faz com que os produtos fiquem mais caros para o consumidor. Essa opção dos governos brasileiros, de fechar o mercado, subsidiar as empresas, mesmo que isso torne o produto mais caro aqui do que nos outros países, é velha, mas teve um reforço no governo passado que elevou o volume de incentivos fiscais e subsídios ao capital à custa do aumento da dívida pública.

O próprio ministro Henrique Meirelles disse ontem que os empréstimos do BNDES custaram ao Tesouro em subsídios R$ 107 bilhões em dez anos. E em geral esses subsídios nem são explicitados. O Brasil tem que trabalhar para aumentar a transparência dos subsídios ao capital, concedidos através de empréstimos mais baixos do que os custos de captação do Tesouro e dos incentivos fiscais concedidos de forma discricionária.

Esses programas de transferência de renda para as grandes empresas não têm transparência, não são contabilizados, ou são mal contabilizados, distorcem a economia e aumentam a desigualdade brasileira. A transferência de recursos públicos para os mais pobres tem custo explícito e é colocado no Orçamento, como a Bolsa Família, mas a concessão para grandes empresas nunca é claramente quantificada. E ainda há quem defenda o que foi feito no passado remoto — do governo militar — e no passado recente — do governo Dilma — como fez na sexta-feira o presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro.

Algumas reações do governo brasileiro são para evitar a pressão dos parceiros comerciais, como a de que há subsídios à exportação, o que é proibido. Mas, internamente, o melhor a fazer é continuar trabalhando para corrigir os inúmeros problemas das políticas industrial e comercial, que aumentaram nos últimos dois governos.

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