terça-feira, 11 de julho de 2017

Espasmos acusatórios – Editorial | O Estado de S. Paulo

Nada caracteriza de modo tão claro a plena vigência da democracia como a igualdade de todos os cidadãos perante a lei. Não a igualdade inscrita em diplomas legais como um mero princípio norteador, desprovido da experiência cotidiana, mas sim a isonomia que pode ser percebida por toda a sociedade como um verdadeiro traço distintivo da atuação do Estado, um modo de agir de seus representantes capaz de formar a consciência da nação acerca da confiabilidade de suas instituições.

É salutar que até mesmo presidentes da República possam ser chamados a dar explicações de seus atos à Justiça quando sobre estes paire a bruma da ilegalidade. Entretanto, se é possível afirmar que no Brasil há claras demonstrações de que todos são realmente iguais perante a lei, também é verdade que nem todos carregam a responsabilidade sobre o destino de tantas outras pessoas como o funcionário público número 1 da República.

A sociedade brasileira ainda tem uma concepção bastante centralizadora de poder, depositando no Estado e, sobretudo, na figura dos presidentes uma enorme parcela de responsabilidade por seu bem-estar e desenvolvimento econômico e pessoal. Não por outra razão, nas duas ocasiões em que foi consultada em plebiscito – em 1963 e 1993 –, a população rejeitou a adoção do parlamentarismo, regime caracterizado pelo poder institucional do presidente como chefe de Estado, e não de governo, este a cargo do primeiro-ministro, apoiado no Parlamento.

O presidente da República pode e deve ser denunciado à Justiça quando presentes as condições para tal previstas na Constituição, vale dizer, quando houver indícios de autoria e materialidade de crimes cometidos durante o exercício de seu mandato. Todavia, como figura central da estabilidade política e institucional do País, o presidente da República não pode ser denunciado por meio de espasmos acusatórios.

O chamado fatiamento das denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer – por corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa – é, nesse sentido, um desserviço ao País, já suficientemente esgarçado por 13 anos de lulopetismo.

Mais do que seu papel institucional, é um dever constitucional da PGR apresentar denúncia contra o presidente estando convicta da presença dos elementos necessários à ação penal. Entretanto, à instituição não é dado impingir à sociedade os solavancos causados por uma estratégia de denúncia que mais parece guiada por uma agenda política do que propriamente pelo interesse público.

Dividir as denúncias por práticas que, supostamente, estariam coadunadas – sobretudo nos vagos termos em que foi apresentada a primeira delas, por corrupção passiva – revela que ou a PGR não dispõe de provas robustas o bastante para instruir uma peça acusatória irrefutável contra o presidente ou se utiliza desse grave instrumento legal para atender a um propósito político, atitude igualmente condenável por impor à sociedade a paralisia dos Poderes Executivo e Legislativo, justamente no momento em que ela mais precisa de ações de governo que possam dar cabo da gravíssima crise política e econômica que corrói o País.

O Congresso, por sua vez, não pode se deixar pautar pela estratégia do Ministério Público Federal e sustar o andamento das discussões sobre as vitais reformas de que o País tanto precisa, principalmente a reforma trabalhista, prestes a ser votada no plenário do Senado, e a reforma do sistema previdenciário.

Para o bem do País, uma denúncia contra o presidente da República deveria ser organizada de tal forma a apresentar, a um só tempo, cabais elementos de convicção do Ministério Público Federal e as razões pelas quais a instituição acredita que o chefe de Estado e de governo não apresenta mais as condições necessárias para comandar os rumos da Nação. Afinal, como guardião da lei, resguardar a sociedade da insegurança jurídico-institucional é o ditame constitucional do Ministério Público.

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