terça-feira, 18 de julho de 2017

Protecionismo suicida – Editorial | O Estado de S. Paulo

O Brasil foi o maior perdedor da política industrial e comercial praticada nos 13 anos de governo petista e ainda parcialmente em vigor, segundo o amplo e detalhado relatório recém-publicado pela Organização Mundial do Comércio (OMC). O documento é parte do trabalho periódico de revisão, discussão e crítica das medidas tomadas nos 164 países-membros da entidade. O último exame da política brasileira havia sido feito em 2013. Brasília pode contestar parte das críticas e também apontar a reorientação iniciada em 2016, a partir da mudança de governo, mas tem de admitir a maior parte dos problemas indicados no texto. Não há como negar as barreiras ainda muito altas, a distribuição de crédito subsidiado, os favores fiscais a grupos e setores selecionados e a manutenção, durante anos, de uma injustificável política de conteúdo nacional.

Ninguém descreverá a OMC como um clube de seguidores estritos das normas de transparência e de lealdade nas práticas de comércio. O protecionismo agrícola é uma característica da maior parte das economias desenvolvidas. Políticas de subsídio mais ou menos disfarçadas – à indústria aeronáutica, por exemplo – têm motivado processos entre parceiros desenvolvidos e emergentes. Os dois maiores mercados capitalistas, os Estados Unidos e a União Europeia, têm-se envolvido em duros conflitos submetidos a julgamento pelo órgão de solução de disputas da OMC. As práticas brasileiras serão, afinal, tão diferentes daquelas seguidas nas economias do Primeiro Mundo?

Seria tolice entrar numa competição de santidade, como se a OMC tivesse auréolas para distribuir periodicamente aos associados mais virtuosos. Mas os próprios brasileiros têm excelentes motivos para criticar e rejeitar as políticas aplicadas tradicionalmente no País e exacerbadas no período petista.

Poucas palavras bastam para resumir a história. Essas políticas, aceitáveis nos anos 1950 e talvez na década seguinte, foram mantidas por tempo excessivo, quando já haviam sido abandonadas em outras economias em desenvolvimento. Isso explica, em boa parte, a diferença de dinamismo entre aquelas economias, especialmente da Ásia, e o Brasil. A diferença entre as políticas educacionais e de pesquisa é parte desse quadro.

A exacerbação das velhas políticas, no caso brasileiro, levou ao desperdício de centenas de bilhões, talvez trilhões, em subsídios fiscais e financeiros, com pouco ou nenhum aumento da taxa de expansão econômica, da inovação e da competitividade.

Os enormes favores ao Grupo J&F são uma excelente ilustração dessa história, mas seria fácil prolongar a lista. Seria preciso citar com destaque, entre outros desastres, a corrupção na Petrobrás e o desastre econômico e financeiro da maior estatal brasileira. Sem entrar em detalhes como esses, o relatório da OMC aponta com clareza o alto custo, o desperdício de recursos e a ineficiência do protecionismo e de outras políticas de favorecimento a grupos empresariais.

O relatório menciona, além desses erros, a manutenção de um sistema tributário complicado, ineficaz e custoso, assim como a persistência de pesados entraves burocráticos à atividade empresarial. Esses entraves complicam, obviamente, as importações, e contribuem para o excessivo fechamento do País, mas também produzem uma porção de outros maus efeitos.

Se fossem menos polidos, os autores do relatório poderiam classificar a política brasileira de indústria e comércio como uma escandalosa burrice – pelo menos do ponto de vista do interesse geral de empresários, trabalhadores e consumidores. Alguns, é claro, sempre lucram.

Com a mesma gentileza, os autores do texto abstêm-se de qualificar explicitamente a tolice do terceiro-mundismo imperante na diplomacia brasileira a partir de 2003. Mas mostram o suficiente para convencer qualquer pessoa sensata da baixíssima qualidade das políticas seguidas por muito tempo. Os brasileiros têm muito mais motivos que os demais sócios da OMC para cobrar a mudança urgente da política nacional de comércio.

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