segunda-feira, 24 de julho de 2017

Uma reforma não tão cândida -| Fernando Limongi

- Valor Econômico

Viabilizar candidaturas alternativas em 2018 não será tarefa fácil

Finalmente, depois de longo silêncio e muitos rumores, o deputado Vicente Cândido (PT-SP) soltou a versão final do anteprojeto de reforma política. A retomada dos trabalhos está prevista para o início de agosto, marcando a largada da disputa pela cadeira presidencial.

A nova lei regulará a distribuição de recursos públicos para as campanhas. Ao contrário do que reza o mito, já faz muito tempo que esta distribuição é crucial para os resultados eleitorais. No atual contexto de vacas magras, se tornaram ainda mais importantes.

Como sempre, muito do anunciado ficou pelo caminho. Ainda assim, se aprovada, a reforma terá consequências radicais. O projeto prevê a constituição do Fundo Especial de Financiamento da Democracia (FDD), altera a distribuição do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) nas eleições majoritárias e, por último, impõe tetos de gastos às campanhas.

Em virtude da expectativa de que as contribuições de pessoas físicas às campanhas serão minguadas, os R$ 3,66 bilhões do FDD passam a ser fundamentais. O Estado substituirá as empreiteiras e a JBS como a principal, senão a única, fonte de recursos disponíveis para financiar as campanhas.

O projeto impõe tetos de gastos severos. Nas eleições presidenciais, cada candidato poderá gastar até R$ 150 milhões, bem menos, portanto, que os R$ 350 milhões declarados por Dilma Rousseff. As eleições para o governo estadual também terão que se adequar aos novos tempos. Em São Paulo, o teto de gastos foi fixado em R$ 30 milhões, abaixo, portanto, dos R$ 40 milhões declarados por Geraldo Alckmin.

Campanhas com gastos reduzidos e, pelo que se depreende do debate público, limitados aos disponibilizados pelo Estado. Em outras palavras, a reforma apontaria na direção defendida por muitos como ideal: campanhas baratas e financiadas com recursos públicos.

Projetar os efeitos desta reforma não é tarefa fácil. Difícil saber como os partidos adequarão suas estratégias à nova realidade e se, realmente, não contarão com doações privadas.

Mas o fato é que, a experiência ensina, nas eleições a presidente e governador, a viabilidade de uma candidatura depende da parcela do HGPE com que se conta para fazer campanhas. Sem tempo significativo na TV, candidaturas não decolam e, em geral, quanto maior este tempo, melhor a votação obtida.

Em tese, antes da eleição, cada partido teria uma parcela fixa do HGPE, definida pelo seu desempenho na eleição anterior. Entretanto, como a distribuição levava em conta a soma das cadeiras dos partidos coligados, era possível "comprar" tempo adicional. Assim, antes das convenções, corria solto um verdadeiro mercado de compra e venda de tempo do HGPE. Ao final deste processo, emergiam algumas poucas candidaturas viáveis, aquelas que contavam com as maiores parcelas do tempo de TV e que, de fato, disputavam as preferências dos eleitores.

O projeto Vicente Cândido alterou a regra pela qual o tempo do HGPE será distribuído. Em lugar da soma das cadeiras da coligação, o cálculo levará em conta apenas o número de representantes do maior partido. Acaba assim com a competição pelo apoio dos pequenos e médios partidos, uma vez que, ao integrar uma coligação, estes deixam de trazer consigo o seu tempo de rádio e TV. À primeira vista, uma medida saneadora.

Entretanto, ao acentuar a distribuição desigual dos recursos públicos, a nova norma confere enorme e óbvia vantagem aos maiores partidos. Na realidade, se não apresentarem candidatos próprios, estes passam a poder negociar seu tempo de HGPE com aliados potenciais.

Assim, em razão das bancadas que elegeram em 2014, PT, PMDB e PSDB serão os grandes beneficiários da proposta. Seus candidatos, ou os que apoiarem, contarão com muito mais tempo de rádio e TV que seus competidores. Para viabilizar suas candidaturas, os demais precisarão se aliar a um destes três partidos. A distribuição final, contudo, depende do número total de candidatos lançados. Quanto menor, mais tempo para todos.

Obviamente, além do tempo do HGPE, contarão os recursos do FDD. Uma vez mais, crucial é saber como estes recursos serão repartidos pelos partidos e, além disto, como os partidos poderão distribuir o que lhes cabe por seus diferentes candidatos. Por isto mesmo, estas regras terão efeitos cruzados sobre todas as disputas. Com recursos limitados, partidos deverão privilegiar algumas poucas disputas em detrimento de outras. Provavelmente, terão que ser "conservadores" na definição das candidaturas, lançando um número menor de candidatos do que no passado.

O fundamental, contudo, é que por seguir o princípio da proporcionalidade às bancadas, os recursos do FFD estão concentrados na trinca PMDB, PT e PSDB. De acordo com os cálculos publicados pelo Valor, 36,6% do FDD ficariam nas mãos destes três partidos. O restante seria pulverizado pelas demais siglas.

Assim se aprovada, a proposta Cândido tem efeitos claros e diretos sobre a eleição presidencial vindoura. Somente PMDB, PT e PSDB terão recursos suficientes do FDD para bancar candidaturas à Presidência. Candidatos com apoio exclusivo de partidos médios e pequenos, não importa quão bem estejam nas pesquisas de opinião, terão dificuldades para decolar.

Ou seja, a despeito de toda a ênfase que outsiders vêm recebendo na mídia, viabilizar candidaturas alternativas não será tarefa fácil. Mesmo as candidaturas de Marina e Bolsonaro, já não tão outsiders assim, terão dificuldades evidentes para decolar. A vantagem com que largam os "estabelecidos" é considerável.

Prever as consequências de reformas eleitorais é uma tarefa inglória. Sempre há algo que foge do esperado. Neste caso, dado que os três grandes não têm os votos necessários para aprovar a reforma, a proposta tem poucas chances de ser aprovada sem as negociações de praxe. As razões são cândidas.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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