terça-feira, 8 de agosto de 2017

Ajuste fiscal e expectativas de longo prazo | Yoshiaki Nakano

- Valor Econômico

O jogo político tornou inviável a reforma previdenciária e deixou o Executivo muito mais frágil a chantagens

A partir do segundo trimestre de 2014, a economia brasileira começou a sentir os efeitos da crescente perda de confiança dos agentes econômicos na política econômica do governo Dilma Rousseff. Só o impeachment de Dilma e a percepção por parte de seu vice-presidente Temer, que assumiu o poder, de que a crise era tal que era necessário construir "uma ponte para o futuro", com uma agenda de reformas, o processo de perda de confiança pode ser interrompido. Esta "crise de confiança" foi tão grave que provocou a mais profunda recessão que temos registro histórico e uma deterioração profunda nas expectativas de longo prazo.

Como são estas as expectativas que determinam a taxa de investimento, enquanto este estado de espírito perdurar, dificilmente vamos ter uma recuperação consistente do crescimento econômico.

Na realidade, na origem da crise temos uma profunda crise política, com uma população que perdeu totalmente a confiança nas lideranças e nas instituições políticas do país. Dada a cultura política do Brasil, o chamado presidencialismo de coalizão, trazido pela Constituição de 1988, também faliu. Sem novas instituições e novas lideranças políticas capazes de apontar um futuro para o Brasil, levando em consideração o novo contexto histórico deste início do século XXI, não há chance de realmente sairmos da crise.

Entretanto, como dizia Keynes: "Além da causa devido à especulação, à instabilidade econômica encontra outra causa, inerente à natureza humana, no fato de que grande parte das nossas atividades positivas depende mais do otimismo espontâneo do que de uma expectativa matemática, seja moral, hedonista ou econômica. Provavelmente a maior parte das nossas decisões de fazer algo positivo, (…) deva ser considerada como manifestação do nosso entusiasmo - como um instinto espontâneo de agir, em vez de não fazer nada - em vez de resultado de uma média ponderada de lucros quantitativos multiplicado pelas probabilidades quantitativas (…). O empreendedor procura convencer a si próprio de que a principal força motriz da sua atividade reside nas afirmações de seus propósitos. Keynes, Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, Ed. Atlas, São Paulo, 1982, p.133.

Se o nosso quadro político de total incerteza permanecer, poderá arrefecer o otimismo espontâneo e ficaremos na dependência apenas da previsão quantitativa, mas o empreendimento desfalecerá e morrerá. Neste quadro, em que erros em qualquer direção são igualmente prováveis, na prática, segundo Keynes, recorremos a uma convenção, e ai já que houve uma pequena melhora no clima dos negócios, é melhor acreditar que esta situação perdurará. E assim, os indicadores de atividade apresentam ligeiríssima melhora, e também os índices de confiança, que mostram certa indiferença aos eventos políticos, assumindo que o governo Temer deverá perdurar.

Este quadro de tênue "equilíbrio de otimismo espontâneo", relativamente pouco sensível, no momento, aos eventos políticos, é a convenção de que o quadro deverá permanecer. Isto significa crença de que o presidente Temer sobreviverá e conseguirá levar adiante tanto o ajuste fiscal, como sua agenda de reformas, ainda que enfraquecido.

Entretanto, este quadro de tênue "equilíbrio de otimismo espontâneo" poderá se romper com os últimos anúncios do governo na sua agenda fiscal. De um lado, o não cumprimento da meta fiscal para este ano, que era relativamente folgada. Segundo, a decisão de aumentar a tributação sobre gasolina. E em terceiro lugar, as liberalizações feitas pelo Palácio do Planalto para bloquear a ação do Ministério Público Federal. Estas decisões reduzem drasticamente a credibilidade da política de fixação real do teto fiscal.

Rompe-se assim alguns princípios fundamentais para um ajuste fiscal bem sucedido, isto é, capaz de reduzir a relação dívida pública/PIB em alguns anos. De partida, apesar da meta ser relativamente folgada, o superávit primário prometido não será alcançado no primeiro ano, e a dívida pública aumentará mais do que previsto. Sabemos pela análise de casos de sucesso em ajuste fiscal, que o governo tem que cortar os gastos correntes, principalmente de folha de pessoal, para modificar a dinâmica de gastos.

Aqui, ao contrário, o governo concedeu aumento salarial neste ano para o funcionalismo e já fixou aumento também no próximo ano, abrindo exceção à regra de teto, abrindo espaço para reivindicação para aumento de outros gastos. Por que uma categoria privilegiada em termos de salário, quando comparado ao mercado, pode ter aumento em detrimento de outros gastos prioritários para a sociedade? Desta forma, a dinâmica de gastos, em grande parte fixada por lei, ou Constituição ou por convenção, vai fazer com que a despesa continue crescendo e acontecerão novos aumentos de impostos.

E por fim, o jogo político, conflito institucional, praticamente inviabilizou a reforma previdenciária, e deixou o Executivo muito mais frágil às pressões e chantagens políticas.
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Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)

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