sábado, 19 de agosto de 2017

Constituinte de Maduro toma poder do Congresso

Para a OEA, medida mostra ‘aprofundamento do golpe de Estado

Mercosul também rejeita medida chavista, e presidente da Assembleia Nacional, sob controle da oposição, alerta que ‘uma segunda Cuba está se instalando’ no país; TV diz que ex-procuradora fugiu

A Venezuela de Nicolás Maduro deu mais um passo que aprofunda seu caráter ditatorial. A polêmica Assembleia Constituinte aprovou decreto para tomar poderes do Parlamento do país, controlado há um ano e meio pela oposição. O texto aprovado transfere à Constituinte de Maduro competência para legislar sobre diversos temas. O decreto foi considerado, dentro e fora do país, novo atentado à democracia. Para o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, “o golpe de Estado” se aprofundou. Segundo a TV Univisión, a ex-procuradora-geral Luisa Ortega, que rompeu com o chavismo, fugiu do país.

Apertando o cerco

Constituinte chavista assume funções da Assembleia Nacional em ação sob forte crítica

Janaína Figueiredo | O Globo

Numa decisão que era esperada, mas não por isso causou menos comoção dentro e fora da Venezuela, a polêmica Assembleia Nacional Constituinte (ANC) aprovou ontem um decreto que retira faculdades essenciais da Assembleia Nacional (AN) do país, controlada há um ano e meio pela oposição. O texto votado ontem pelos constituintes eleitos em 30 de julho passado — em eleições consideradas fraudulentas pela oposição e mais de 50 governos estrangeiros — transferiu à ANC “as competências para legislar sobre matérias que garantam a preservação da paz, da soberania, do sistema socioeconômico e financeiro, os fins do Estado e a preeminência dos direitos dos venezuelanos”. Ainda ontem, após a divulgação de áudios em que a ex-procuradora-geral Luisa Ortega Díaz denunciava que o presidente Nicolás Maduro estaria envolvido no escândalo de corrupção da empreiteira brasileira Odebrecht, ela e o marido, o deputado chavista Germán Ferrer, deixaram o país de lancha até Aruba e depois voaram a Bogotá, onde chegaram no meio da tarde.

As reações locais e internacionais foram enérgicas e coincidiram em considerar a medida um novo atentado à democracia por parte do governo Maduro e, em alguns casos, como o do secretário geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, “um aprofundamento do golpe de Estado”.

GOVERNO JÁ PUNHA BARREIRAS À AN
Em Lima, parlamentares de vários países da região se reuniram para discutir a crise venezuelana e interpretaram o decreto da ANC como um “massacre institucional”. As críticas levaram as mais altas autoridades da Constituinte a tentarem minimizar as consequências da iniciativa, mas suas explicações não convenceram.

Uma das primeiras em falar foi a presidente da ANC, a ex-chanceler Delcy Rodríguez, que esta semana convidara os membros da AN para um encontro ao qual a oposição decidiu não comparecer.

— Não estamos dando férias, vocês (deputados) devem trabalhar pelo bem do povo, devem honrar as pessoas que depositaram sua confiança em vocês — declarou Delcy.
A presidente da ANC insistiu em dizer que o Parlamento não será fechado nem dissolvido, numa tentativa de manter certa fachada democrática. Já o constituinte e vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), Diosdado Cabello, assegurou que “a ANC assumiu apenas algumas funções da AN”.

— Na medida em que eles (a oposição) reconheçam a ANC eleita por mais de oito milhões de venezuelanos, as coisas começarão a funcionar — assegurou Cabello.

O ex-presidente da AN — cargo que ocupou quando o chavismo ainda era maioria — esclareceu que “se tivesse sido dissolvido o Parlamento, os deputados deixariam de existir, e nós não estaríamos fazendo um decreto no qual se diz que assumimos apenas algumas funções”.

A realidade é que desde que a oposição passou a ser maioria na AN, o governo obstaculizou suas ações. Os deputados da Mesa de Unidade Democrática (MUD) não conseguiram aprovar leis em todo este período e quem legislou foi o presidente, através de decretos. Em março, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), controlado pelo governo, tentou assumir as faculdades da AN através de duas sentenças, que, após uma enxurrada de críticas locais e estrangeiras, foram suspensas. Mesmo assim, o Palácio de Miraflores conseguiu boicotar cada uma das iniciativas da AN opositora, e a decisão de ontem tem uma enorme importância simbólica, mas não muda nada no dia a dia dos deputados venezuelanos, que, além de tudo, não recebem seus salários há mais de um ano.

— O que estamos vendo é uma jogada de xeque-mate. Esta é a conclusão de uma jogada que começou há bastante tempo e hoje (ontem) teve seu momento mais importante — disse Carlos Romero, professor da Universidade Central da Venezuela (UCV).
Para ele, “será a dissolução de fato da AN”.

— Não estou surpreso, estou triste. Hoje é um dia profundamente triste para a democracia de nosso país — lamentou.

MEDO DE OFENSIVA CONTRA A MÍDIA
O decreto aprovado pela ANC é tão amplo que permitirá aos constituintes chavistas legislar sobre praticamente tudo. O que se espera na Venezuela é um avanço do autoritarismo e da perseguição a opositores, incluindo, por exemplo, meios de comunicação independentes. Um dos anteprojetos que já estão sendo analisado é uma lei “contra o ódio, a intolerância e a violência”.

Também especula-se com leis que permitam ao governo Maduro financiar-se através de alianças com empresas estrangeiras e governos aliados, por exemplo, da Rússia. Hoje, o Executivo venezuelano enfrenta sérias dificuldades econômicas e, através da ANC, poderia aprovar projetos que significassem a injeção de recursos no Estado.

— Este decreto mostrou que Maduro está precisando de dinheiro e não quer controle algum sobre acordos econômicos e crianção de empresas mistas no setor petrolífero, entre outras iniciativas — comentou o analista Oswaldo Ramírez Colina, diretor da empresa de consultoria ORC.

Para ele, o que aconteceu ontem na Venezuela foi uma “usurpação de funções do Parlamento por parte da ANC”.

— Estamos em presença de uma ditadura moderna — frisou.

Em sua conta no Twitter, o diretor para as Américas da Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, assegurou que “foi formalizada uma ditadura plena na Venezuela”.

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