sexta-feira, 11 de agosto de 2017

De olhos bem abertos -| Rogério Furquim Werneck

- O Globo

Analistas conjugam considerações políticas e econômicas de formas muito distintas, visões divergentes

Convivem hoje no país visões cada vez mais divergentes das perspectivas da economia brasileira. Boa parte dessa divergência decorre das dificuldades de levar em conta a extraordinária complexidade da interação que poderá se estabelecer entre a economia e a política, ao longo dos próximos meses.

Para entender com mais clareza a natureza dessas dificuldades, pensemos em como o cérebro sobrepõe imagens formadas em cada um dos nossos olhos, combinando perfeitamente os dois conjuntos de informação. Imaginemos o que ocorreria se tivéssemos olhos especializados, bem diferentes dos que de fato que temos. Um olho treinado para análise econômica; outro, para análise política. Ao sobrepor as imagens formadas por cada um desses dois olhos, cores mais carregadas de um lado poderiam dominar cores mais leves do outro.

Isso ajuda a perceber o que parece estar ocorrendo. Na medida em que diferentes analistas vêm conjugando considerações de ordem política e de ordem econômica de formas muito distintas, as visões de futuro vêm se tornando sensivelmente divergentes.

O que, tipicamente, vem enxergando o olho de analista econômico? Boas razões para avaliação favorável dos resultados obtidos pelo governo Temer. Tendo constatado que o descalabro fiscal deixado por Dilma Rousseff exigia um ajuste fiscal de pelo menos 5% do PIB, o governo conseguiu convencer o país de que tal ajuste não precisaria ser feito de imediato. Poderia ser feito aos poucos, ao longo de vários anos, desde que não houvesse dúvida sobre a determinação de leva-lo adiante.

Para tornar crível a proposta de ajuste fiscal gradual, o governo seguiu de perto o plano de jogo delineado em meados de 2016. Montou uma equipe econômica de excelente nível, restaurou a credibilidade do Banco Central, trouxe a inflação à meta e assegurou queda substancial da taxa de juros, abrindo espaço para recuperação da economia.

No front especificamente fiscal, o governo conseguiu aprovar a emenda constitucional do teto de gastos. E submeteu ao Congresso um projeto ambicioso de reforma da Previdência Social. Ajudaram a dar força ao círculo virtuoso que se formou contas externas cada vez mais sólidas e um quadro favorável na economia mundial, com alta liquidez internacional.

Mas o plano de jogo ainda incluía um último ponto crucial: assegurar que, na esteira do relativo sucesso da política econômica, fosse possível eleger, em 2018, um candidato comprometido com a manutenção do ajuste fiscal no próximo mandato presidencial.

Como tudo isso tem sido visto pelo olho do analista político? O vazamento da delação dos irmãos Batista tornou o quadro político muito mais adverso. Com o presidente acuado e fragilizado, já não há muito espaço para ilusões sobre parte importante do plano de jogo em que o país vinha apostando.

É bem verdade que Temer conseguiu que a Câmara bloqueasse a primeira denúncia da Procuradoria-Geral da República. E é bem possível que consiga bloquear novas denúncias. Mas, mesmo assim, o presidente não voltará a ter o capital político com que contava até 17 de maio. A crise deixou danos permanentes. A fragilização do presidente veio para ficar.

Em que medida isso compromete o plano de jogo no qual se vinha apostando? A aprovação de uma reforma da Previdência ambiciosa ficou inviável. O choque de incerteza política atrasou a recuperação do investimento e do nível de atividade. A perda de ascendência do presidente sobre o Congresso elevou o risco de rápida e substancial deterioração das contas públicas. E deve exigir desgastante relaxamento das metas fiscais de 2017 e 2018.

Nesse quadro, a eleição de um candidato comprometido com a manutenção do esforço de ajuste fiscal no próximo mandato tornou-se muito mais incerta do que parecia há poucos meses.

São percepções complementares de uma realidade complexa e em rápida mutação. O desafio é combinálas de forma realista. Ao tentar sobrepor as duas imagens, é importante separar o que é análise do que pode ser só torcida e autoengano.

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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

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