quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Depois do caixa dois, caixa-preta na eleição

A reforma política em tramitação na Câmara abre brecha para a criação de uma caixa-preta sobre doações de campanhas. O deputado Vicente Cândido, relator, apresentou texto prevendo que caberá ao doador decidir se quer ficar oculto ou não. Apenas os órgãos de controle teriam acesso à informação. O plenário da Câmara pretende começar a votar hoje a criação do fundo de R$ 3,6 bi para as eleições e o distritão.

A vez da caixa-preta

Relator tenta permitir ocultação de doações eleitorais; fundão pode ser votado hoje

Catarina Alencastro, Cristiane Jungblut | O Globo

-BRASÍLIA- Relator da reforma política, o deputado Vicente Cândido (PT-SP) apresentou ontem um dispositivo que pode criar uma caixa-preta para doadores de campanhas eleitorais. O texto prevê que caberá ao próprio doador decidir se quer ficar oculto ou não. Se pedir sigilo, sua identidade só poderá ser conhecida por órgãos de controle e pelo Ministério Público, ao contrário do que ocorre hoje, quando é possível saber quem destinou quanto dinheiro a qual candidato.

A medida é um dos pontos polêmicos da segunda proposta do pacote de reforma política em análise na Câmara. Esta tratará de temas, como regras para arrecadação e distribuição de recursos, que não exigem alteração na Constituição. O relatório foi apresentado ontem à tarde na comissão, mas acabou não sendo votado.

A reforma política pode ser retomada hoje. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou ontem à tarde aos líderes que daria início à votação pela manhã, em plenário, da primeira parte do pacote. É a proposta de emenda constitucional que cria o fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões e estabelece novos sistemas eleitorais: o chamado distritão para 2018 e o distrital misto a partir de 2022. No fim do dia, no entanto, Maia ainda não havia batido o martelo.

Maia disse que, a pedido dos líderes dos partidos, havia pautado a PEC, mas admitiu que haverá dificuldade para juntar o quorum necessário para a votação. Como a matéria precisa ser aprovada por 308 de um total de 513 deputados, Maia disse que, sem a presença de pelo menos 470 deputados, não seria possível fazer a votação.

Maia acha que, se pelo menos 470 deputados estiverem presentes, é possível votar o texto principal e deixar para uma outra sessão a votação dos destaques que deverão ser apresentados. O líder do PP na Câmara, deputado Arthur Lira (AL), disse que nenhum partido se opôs ao cronograma de Maia. Nos bastidores, a avaliação é que as críticas ao fundo e ao distritão vêm aumentando e que é melhor votar logo, antes de reações mais fortes. Os políticos estão preocupados sobretudo com o fundo para financiar suas campanhas.
— O presidente colocou a pauta para amanhã. E ninguém se opôs — disse Arthur Lira.

O economista Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas, avalia que a possibilidade de sigilo sobre a identidade do doador de campanha é um "retrocesso".

— Mais que um retrocesso, é um absurdo. A transparência no processo eleitoral brasileiro vinha evoluindo. A permissão do sigilo é muito ruim não apenas pela questão da transparência em si, da divulgação de informações, mas pela coisa mais essencial na democracia: o voto consciente.

CANDIDATOS MÚLTIPLOS
Se houver quorum, poderá ser votado um requerimento para quebrar os prazos regimentais de tramitação. Assim, a matéria poderia já ser votada ainda hoje. O requerimento pedindo quebra de intervalo entre a comissão, que encerrou ontem os trabalhos, e o plenário deverá ser apresentado pelo PMDB na abertura da sessão. São necessários 257 votos para poder pular esse intervalo e há alguns partidos que não concordam com a pressa.

— A pressa em votar me leva à conclusão de que já há votos suficientes para se aprovar o distritão. Da nossa parte, não há acordo. Vamos votar contra o fundo — disse Alessandro Molon (Rede-RJ).

A comissão que tratava da PEC concluiu a votação da proposta ontem com uma gambiarra: caso seja aprovado o voto distrital misto a partir de 2022, um mesmo candidato pode concorrer no voto distrital, na lista fechada de seu partido e ainda a um cargo no Executivo. A possibilidade beneficia caciques políticos que, mesmo perdendo em uma disputa para governador, por exemplo, poderão, na mesma eleição, ganhar o pleito para deputado.

DISTRIBUIÇÃO DO FUNDO TAMBÉM É PREVISTA
Mais tarde, na comissão que trata da segunda proposta de reforma, o dispositivo da doação oculta provocou reclamações. Mesmo com a sessão voltada apenas para a leitura do texto do relatório e não para o debate da matéria, o deputado Chico Alencar (Psol-RJ) perguntou ao relator qual era a finalidade dessa medida.

— (Eu o incluí) por causa do momento que estamos vivendo e das perseguições — respondeu o deputado Vicente Cândido.

O texto apresentado por Cândido limita gastos para as campanhas a cada cargo público e fixa a distribuição dos recursos do fundo eleitoral. As campanhas para presidente da República poderão custar, no máximo, R$ 150 milhões; a de governador, até R$ 30 milhões; a de senador, R$ 8 milhões; deputado federal, R$ 2,5 milhões; e a de deputado estadual ou distrital, R$ 1,5 milhão.

Embora muitos deputados tenham sugerido fontes alternativas, como emendas parlamentares e até parte dos salários de assessores parlamentares, projeto do petista deixa claro que a fonte do fundo para bancar as campanhas políticas será o Orçamento do Poder Executivo.

A dinheirama seria distribuída desta forma: 2% para todos os partidos igualmente; 49% entre os partidos, mas de acordo com a proporção de votos que cada sigla obteve na última eleição para a Câmara dos Deputados; 34% de acordo com o número de deputados que cada partido tinha em 10 de agosto de 2017; e 15% de acordo com o número de senadores que cada partido tinha nessa data.

Também foram fixadas regras para que um candidato doe recursos próprios para sua campanha: o concorrente a uma cadeira na Câmara dos Deputados poderá doar para sua própria campanha até 7% do total permitido em lei, ou seja: R$ 175 mil. E o candidato ao Executivo terá o limite de R$ 10 mil para doar à própria campanha política. Como a doação de empresas está proibida pela Justiça, o relatório de Cândido também regula a doação de pessoas físicas. Pelo texto apresentado ontem, essa não pode ultrapassar dez salários mínimos. O doador poderá doar até esse limite para cada cargo em disputa. Ou seja, no total ele poderá doar até 50 salários mínimos: dez para deputado federal, dez para seu candidato a deputado estadual (ou distrital), dez para senador, dez para governador e dez para presidente da República.

A proposta proíbe a propaganda paga na internet, mas partidos, coligações e candidatos podem contratar impulsionamento de conteúdo (recurso das redes para multiplicar o alcance da postagem). Em relação à propaganda eleitoral gratuita (rádio e TV), os partidos terão que reservar 30% dos programas à participação da mulher na política. Amanhã outra comissão da reforma deve iniciar a votação da PEC que acaba com as coligações nas eleições para deputados e vereadores e cria a cláusula de barreira.

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