terça-feira, 22 de agosto de 2017

'Distritão' seria fim da fidelidade partidária

Anna Virginia Balloussier | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Com o "distritão", dê adeus à fidelidade partidária. Eis um potencial e pouco discutido efeito colateral do modelo de eleição proposto na reforma política, pautada para ir à votação na Câmara nesta terça-feira (22).

A lógica, afirmam especialistas, é simples. Hoje dita a lei: quem se elegeu o fez com apoio do partido ou da coligação. A regra vale para pleitos proporcionais (vereador e deputados), que levam em conta os votos nos candidatos e também nas legendas. Exemplo: com 1 milhão de eleitores a seu lado em 2014, Tiririca distribuiu seu excedente nas urnas para dois colegas do PR.

Argumento a favor de punir com a perda do mandato quem troca de partido é justamente este: em muitos casos, o parlamentar sequer teve votação suficiente para, sozinho, conseguir a cadeira. No "distritão", vence o indivíduo mais votado, e essa tese afunda.

"Se [o Congresso] aprovar o novo modelo, será suicídio", diz Daniel Falcão, professor do Instituto de Direito Público. A filiação partidária ainda é pré-requisito para concorrer. Mas o vaivém entre siglas ganharia passe livre. "O cara consegue a candidatura e pode dar uma banana para o partido."

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso defende não apenas "não poder mudar de partido, como também a obrigatoriedade de [o congressista] votar com ele em matéria que tenha sido fechada questão", para acabar "com o poder de barganha individual, fonte de fisiologismo e corrupção".

Em 2008, o Tribunal Superior Eleitoral cassou o primeiro "infiel", o paraibano Walter Brito Neto, por pular do DEM ao PRB. Um ano antes, a corte decidiu, e o STF corroborou, que o mandato pertencia à sigla.

Surgia o conceito de fidelidade partidária: o incomodado que se mude, mas a cadeira vai para o primeiro suplente da chapa.

Em 2015, o Congresso alterou a Lei dos Partidos Políticos e criou uma janela de 30 dias para a migração interlegendas.

Com o "distritão", todo dia é dia para a "pulada de cerca" partidária. Para o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini, isso seria "um desmonte democrático. O eleitor vota também nas ideias do candidato, que se refletem no partido".

À frente do PSDB na Casa, Ricardo Tripoli, diz não "achar bom" a infidelidade, que seria mais comum em siglas do centrão, menos ideológicas.

Renata Abreu preside uma delas, o Podemos (ex-PTN), e vê o efeito contrário: "O 'distritão' vai até obrigar o candidato a escolher o partido menos por conveniência e mais por afinidade ao programa".

Abreu aponta um "buraco" na fidelidade: "A regra se aplica a quem sozinho teve quociente eleitoral para se eleger sem ajuda da legenda? Um Tiririca, um [Celso] Russomanno [campeões de voto em SP]?", diz ela, uma entre 485 (de 513) deputados eleitos sem voto próprio, ou seja, graças ao sistema proporcional.

Para o jurista Ives Gandra Martins, "o 'distritão' respeita a vontade do eleitor" e isso é bom, mas precisa de uma cláusula que fortaleça a lealdade: o eleito pode sair do partido, mas não pode ingressar em outro até o fim do mandato. Sem filiação, não estaria apto a disputar a eleição seguinte.

Martins reconhece não ver "vontade política" para tanto.

Colaborou Joelmir Tavares

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