domingo, 13 de agosto de 2017

Estudo revela ‘crítica radical’ de brasileiro

Para pesquisador da USP, falta de representatividade faz eleitor formar ‘consciência’; conceito de democracia não é claro, diz professor da FGV

Gilberto Amendola | O Estado de S.Paulo

A falta de representatividade é a chave para entender o descontentamento com a política e a democracia brasileira apontada na pesquisa do instituto Ipsos. Essa é a visão de cientistas políticos que tiveram acesso ao levantamento em que 94% dos entrevistados dizem não acreditar que os políticos que estão no poder representam a sociedade. Em consequência disso, 86% afirmam que a democracia no País não é respeitada.

Para o cientista político José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo (USP), a pesquisa mostra uma crítica radical ao modo como a política está funcionando no Brasil.

“A população não se sente representada por quem elegeu e por quem está no poder. Os números sugerem o aparecimento de uma consciência crítica, uma característica sofisticada, na qual temos a democracia como ideal, mas nos sentimos livres para criticá-la de forma madura”, disse Moisés.

O cientista político afirmou que “as pessoas querem restaurar o princípio da representação política e querem eleger representantes que de fato estejam conectados às causas comuns”. Ele disse também que o desejo da população é por mecanismos de aproximação com os representantes. “Os políticos estão legislando distantes da população. A impressão que eles acabam passando é de que defendem apenas os próprios interesses. Esse comportamento é entendido como um problema da nossa democracia.”

Já para o também cientista político Humberto Dantas, professor da USP e da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), a sensação de que no Brasil a democracia não é respeitada passa pela questão da falta de representatividade e dos desvios éticos. “Quando a população detecta uma falta de zelo com a coisa pública, ela, automaticamente, observa esses desvios como um desrespeito aos princípios democráticos”, disse.

Dantas afirma que “a sociedade está conseguindo identificar as estruturas, dentro do Legislativo e do próprio Judiciário, que visam apenas a beneficiar seus próprios membros, e que estariam agindo apenas para manter privilégios e um certo espírito corporativo”. Ou seja, a população acredita que a classe política representa apenas ela própria, e não a sociedade.

O cientista político afirmou que o próprio conceito de democracia ainda não é algo claro para parcela dos brasileiros. “Acho muito relevante a gente tentar entender o que as pessoas acham que é democracia. Pela minha experiência, elas têm uma dificuldade para traduzir uma definição básica de democracia”, disse.

Caminho errado. Segundo Dantas, parte dos eleitores associa democracia à “liberdade absoluta”. “Esse entendimento também é um problema. Quando falamos em aperfeiçoar nossa democracia, estamos querendo criar mecanismos de controle e fiscalização do poder público, um modelo em que todos são responsáveis. O que é diferente de liberdade absoluta.”

Para Dantas, aparentemente, propostas como o distritão e o fundo eleitoral – verba aprovada na semana passada pela comissão especial da reforma política ao custo de R$ 3,6 bilhões – estão na contramão do desejo popular captado pela pesquisa Ipsos.

Dantas disse que as mudanças representam uma preocupação maior “em garantir recursos para a eleição de 2018” do que com alterações mais substanciais na representatividade. “A primeira preocupação dos legisladores foi com a sobrevivência do próprio sistema e beneficiar os partidos grandes já estabilizados”, afirmou.

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