quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Herói | Carlos Drummond de Andrade

Regressa da Europa Doutor Oliveira.
É dia de festa na cidade inteira.

Doutor Oliveira fez longa viagem.
Maior, mais brilhante ficou sua imagem.

Viajou de cavalo, de trem, de navio.
Foi bravo, foi forte, venceu desafio.

Falou língua estranja, que não percebemos.
Ergueu nosso nome a pontos extremos.

Conversou doutores de barbas sorbônicas
e viu catedrais, jóias arquitetônicas.

Papou iguarias jamais igualadas
nas jantas mais finas: consommés, saladas,

ovas de esturjão, e pratos mil flambantes,
que aqui falecemos sem conhecer antes.

Praticou mulheres das mais perigosas,
ofertou-lhes mimos, madrigais e rosas.

Nenhuma o prendeu entre grades de seda.
Volta o nosso amigo, livre, de alma leda.

Tudo há de contar-nos à luz do lampião,
para nosso pasmo e nossa ilustração.

Depressa, cavalos e arreios de prata,
que vai esperá-lo o povo bom, a nata.

Da cidade às portas, como triunfador,
eis chega Oliveira, preclaro doutor.

Ginetes aos centos correm a saudá-lo.
Foguetes, discursos e até o abalo

de tiros festivos no azul — eta nós!
dados por Janjão e por Tatau Queirós.

Pois quem destes matos foi até Paris
honrou nossa terra, deu-lhe mais verniz.

E assim, ao apear, desembarca na História
Doutor Oliveira, para nossa glória.

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In Menino Antigo (Boitempo II) José Olympio, 1973

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