domingo, 13 de agosto de 2017

O eleitor paga a conta | Jairo Nicolau

- O Globo

Congressistas acrescentaram R$ 200 milhões à conta. Ou seja, obterão mais dinheiro do Estado do que recebiam das empresas; é claro, levando em conta apenas o caixa 1
Durante duas décadas (1994 a 2014), a legislação permitiu que empresas dessem dinheiro para as campanhas eleitorais no Brasil. A cada eleição, o volume de recursos doados cresceu em relação à disputa anterior; nas eleições gerais de 2014, o total das doações (em caixa 1) das empresas para os candidatos e comitês dos partidos chegou a R$ 3,4 bilhões (valores atualizados).

Em setembro de 2015, o STF julgou a doação empresarial como inconstitucional. Sem o generoso recurso das empresas, quem financiará as campanhas no Brasil? Existe apenas duas alternativas: os cidadãos ou o Estado.

Desde a decisão do STF, o Congresso praticamente não discutiu alternativas para o financiamento das campanhas no Brasil. O tema exige uma deliberação cuidadosa, mas os congressistas parecem preocupados apenas em resolver uma equação contábil: como obter recursos rápidos para garantir que os gastos de campanha de 2018 não sejam muito diferentes dos de 2014.

A solução óbvia (para eles) foi buscar recursos do Estado. A proposta apresentada pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da Comissão de Reforma Política, é criar um fundo, que recebeu o eufemístico nome de Fundo Especial de Financiamento da Democracia e que destinará cerca de R$ 3,6 bilhões para as campanhas em 2018. O dinheiro sai do orçamento da União e vai direto para os candidatos.

Não é mera coincidência que o valor proposto para que o Estado financie as campanhas seja similar ao que as empresas doaram em 2014. Para ser preciso, os congressistas ainda acrescentaram R$ 200 milhões à conta. Ou seja, obterão mais dinheiro do Estado do que recebiam das empresas; é claro, considerando-se só o caixa 1.

A proposta prevê que 30% do Fundo Eleitoral financiem as campanhas para a Câmara dos Deputados. Em valores de hoje, a campanha de deputados federais custará em torno de R$ 1,1 bilhão. Em 2014, os deputados federais receberam cerca de R$ 415 milhões. Ou seja, conseguiram a proeza de quase triplicar o valor dado pelas empresas na eleição passada. Sem contar que eles ainda podem aumentar seus recursos a partir de doações feitas por pessoas físicas.

Para o leitor pouco afeito à escala dos bilhões, vale a pena comparar o valor do fundo eleitoral com outros gastos do Executivo. Os 370 mil bolsistas do CNPq podem ter as bolsas suspensas mês que vem por falta de recursos. O orçamento da instituição para o ano é de R$ 1,3 bilhões; ou seja 36% do valor previsto para o fundo eleitoral.

Além do montante destinado ao fundo ser um completo disparate, os congressistas têm deixado de fora a discussão de temas fundamentais. Entre eles: a criação de um sistema amostral para avaliação das contas dos candidatos; o estabelecimento de um teto fixo para as doações; a criação de um sistema de prestação de contas mais simples para os candidatos e inteligível para os cidadãos que quiserem ter acesso aos dados; e punições rigorosas para partidos que fizerem uso ilegal do fundo eleitoral.

Depois de os brasileiros conhecerem os meandros do financiamento ilegal de campanha, divulgados ao longo das investigações da LavaJato, soa absurda uma discussão que se restrinja a um esforço contábil: “Queremos R$ 3,5 bilhões para as campanhas do ano que vem”. Nossos deputados e senadores podem mais. E devem ser cobrados para que façam mais.

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*Jairo Nicolau é professor de Ciência Política da UFRJ

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