domingo, 20 de agosto de 2017

O trampolim | Míriam Leitão

- O Globo

Não faltava mais nada a um governo em crise do que ter um presidente do BNDES em campanha para ser candidato a presidente da República. Paulo Rabello de Castro circula entre empresários com pose de presidenciável, ataca o Ministério Público Federal, vai ao Congresso para tentar influenciar na composição da CPI e critica projeto apresentado pelo próprio governo.

Esta semana, em reunião na Associação Comercial de São Paulo, ele disse, segundo relato do “Valor”, o seguinte: “Temos que ensinar aos senhores procuradores que da caneta deles saem óbitos, desemprego, empresas fechadas.” Essa ideia embute uma inversão total da relação de causa e efeito. O que mata, desemprega e leva empresas à falência não é a investigação da corrupção, mas a corrupção em si. Para ele, pelo visto, as empreiteiras que estão no que chamou de “efeito lavajático” deveriam ter mais e não menos contratos. “A punição que entendemos para o empresário que fez mal feito é trabalhar mais, lucrar mais, terminar obras.”

Paulo Rabello tem feito reuniões com empresários em que assume seus devaneios presidenciais. Chegou a abordar um interlocutor com uma oferta direta:

— Como você sabe, eu concorrerei à Presidência e quero que você faça parte da minha equipe.

Está se adiantando ao trabalho, pelo visto, enquanto atrasa o trabalho do governo com sua sistemática militância contra a MP 777. Na primeira crítica que fez à proposta de nova taxa de juros de longo prazo, a TLP, que reduzirá o subsídio aos empresários, dois diretores se demitiram do banco. Faziam parte da equipe anterior que havia formulado a proposta. Chamado a Brasília, ele assinou uma nota conjunta com o presidente do Banco Central e ministro da Fazenda defendendo a TLP. Não durou muito a adesão e saiu por aí com novas críticas ao projeto. Cabe ao presidente da República tirar seu governo dessa ambiguidade: ou desiste do projeto ou avisa ao presidente do BNDES que a sua agenda não é a mesma do governo.

Ao criticar a TLP, o que ele quer é agradar aos empresários, principalmente os grandes, que preferem evidentemente a taxa de juros subsidiada, da qual sempre usufruíram. Qualquer mudança nessa regra é vista como prejudicial. Para que mexer em taxa em que eles estão ganhando?

A desenvoltura do presidente do BNDES na política foi flagrada pelo jornal “Estado de S. Paulo”, quando ele esteve no Congresso em conversas contra a CPI instalada para investigar os empréstimos internacionais do banco, nenhum deles concedido no atual governo. Ele disse que a comissão era “maluquice”, em conversa com o senador Aécio Neves, e propôs que o senador interferisse na composição da Comissão. Segundo relato do jornal que ouviu o diálogo, ele usou termos que mostram que Paulo Rabello acredita ter mais poder do que tem. “Eu escalei o Paulo Bauer para pedir ao Serra.” Paulo Bauer é o líder do PSDB no Senado. A Aécio, que se negou a seguir a sugestão, ele disse que alguém do partido deveria “tomar conta”.

Curioso que um representante do atual governo, com posição de destaque, se esforce tanto para defender políticas adotadas pelo governo anterior. E o atual presidente do BNDES, como se viu nas declarações que fez durante o lançamento do Livro Verde, defende até as políticas do governo militar. A dúvida é o que leva a atual administração, imersa em tantos problemas, e com tantas explicações a dar, a se empenhar na defesa até de adversários políticos.

O banco, tão importante para a economia brasileira, teve maus e bons presidentes, teve políticas mais ou menos lesivas aos cofres públicos. Fez escolhas boas e outras equivocadas. Mas essa situação vivida atualmente é inusitada, em que ele parece estar sendo visto como um trampolim. Todo brasileiro, com seus direitos políticos, pode ter planos de se candidatar a presidente. Com ou sem chance. Mas qualquer movimentação nessa direção é inconveniente se a pessoa está no exercício do cargo de presidente do BNDES, até porque ele exige dedicação exclusiva.

Esse caso estranho é só mais um de um governo confuso em que há ilhas de racionalidade num rio de confusões e iniciativas contraditórias.

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