sábado, 5 de agosto de 2017

Privilégios | Suely Caldas*

- O Estado de S.Paulo

No mundo, os programas de refinanciamento de passivos tributários são episódicos, aqui são comuns

Político gosta de propina, empresário quer vantagens e favores do governo para o seu negócio. Esse casamento feliz que a Lava Jato e as delações premiadas têm levado ao divórcio litigioso (casos de Lula e Léo Pinheiro, Temer e Joesley Batista) não desapareceu, persiste e segue levando alegria aos que se livram da Justiça, tristeza para os contribuintes que pagam a conta e desalento para quem enfrenta péssimos serviços públicos e minguados programas sociais – o rombo das contas públicas, projetado em R$ 139 bilhões, pode ser ampliado para R$ 159 bilhões.

Na caça de votos da bancada ruralista para não ser investigado, o presidente Michel Temer anunciou a uma centena de felizardos deputados que, dos R$ 5,44 bilhões de impostos devidos pelo Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), só entrarão para os cofres públicos R$ 2,139 bilhões e, ainda assim, parcelados em 180 prestações com zero de juros e multa reduzida a 25% do valor. Pior: mesmo com expectativa de a Previdência fechar 2017 com déficit de R$ 184 bilhões, a contribuição ao INSS dos felizardos empresários rurais foi reduzida de 2% para 1,2% do faturamento.

Mais abrangente, outro programa de refinanciamento de débitos tributários, conhecido como Novo Refis, teve relatório aprovado pela comissão mista do Congresso com farta distribuição de benesses e privilégios para quem não precisa. O relator da matéria, deputado Newton Cardoso (PMDB-MG), mudou radicalmente a proposta do governo, incluindo no texto substitutivo inimaginável desconto de até 99% das multas e dos juros, dobrou de 10 para 20 anos o prazo de parcelamento, perdoou a dívida de instituições religiosas (os evangélicos aplaudiram), permitiu a participação de empresas em recuperação judicial, entre inúmeras outras generosidades a inadimplentes, velhos conhecidos do Fisco. Ele próprio, Newton Cardoso, é um feliz beneficiário das regras que criou: deve à União R$ 51 milhões como presidente da Cia. Siderúrgica Pitangui e diretor de uma consultoria. Ou seja, em vez de se declarar eticamente impedido de assumir a relatoria, aproveitou a ocasião e legislou em causa própria.

No Brasil o acesso aos cofres públicos, às isenções tarifárias e aos créditos subsidiados é privilégio de quem tem poder de pressão, lobbies em Brasília, amigos no governo e no Legislativo, ou empresários que pagam propina para o político em troca de uma obra superfaturada ou de um contrato bilionário com a Petrobrás. Enquanto o homem comum que deixou de pagar impostos porque o desemprego subtraiu seu salário é punido, os privilegiados são premiados.

Números da Receita Federal dimensionam o prejuízo dos privilégios: em 2017 a renúncia fiscal total da União somará R$ 284,846 bilhões, mais do que o dobro do sofrido déficit público de R$ 139 bilhões, que tanto prejudica a parcela mais pobre da população. Fora os favores concedidos por governadores e prefeitos, como as isenções tributárias negociadas pelo ex-governador Sérgio Cabral, que livraram do ICMS até comerciantes de joias e pedras preciosas.

No mundo inteiro programas de refinanciamento de passivos tributários são episódicos, criados em situações excepcionais de grave quadro econômico e com prazos de pagamento de até 24 meses. No Brasil viraram corriqueiros, os prazos chegam a 20 anos e, por isso mesmo, acabam realimentando a inadimplência: passa a ser mais negócio não pagar e esperar as vantagens do próximo programa. E o pior é que a maior parte dos débitos com a União é com a Previdência, justamente a prioridade maior do governo para equacionar o rombo das contas públicas.

Nesse sentido, dos incontáveis erros de Dilma Rousseff a desoneração da folha de salários das empresas foi um dos mais graves. Com a justificativa frustrada de estimular a geração de empregos (desde então a taxa de desemprego só cresceu), em 2011 Dilma substituiu a contribuição previdenciária das empresas por uma alíquota entre 1% e 2% da receita bruta mensal da empresa. Resultado: até 2016 foram subtraídos R$ 68,7 bilhões dos cofres da Previdência e este ano serão mais R$ 17 bilhões.

Fazem falta!
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* É jornalista

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