sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Programa amplia racha no PSDB

Crise no ninho

Programa de TV tucano ataca ‘presidencialismo de cooptação’ e aprofunda divisão no partido

Maria Lima e Cristiane Jungblut | O Globo

-BRASÍLIA- Ocupando quatro ministérios no governo de Michel Temer e, ao mesmo tempo, ensaiando um discurso de oposição, o PSDB viu a sua crise interna se aprofundar após a veiculação, ontem à noite, do programa do partido na televisão. Encomendada pelo presidente interino, senador Tasso Jereissati (CE), a peça de dez minutos promove uma autocrítica — sem, no entanto, se aprofundar nos problemas citados — , defende o parlamentarismo e classifica o atual modelo de “presidencialismo de cooptação”. A reação dos tucanos no primeiro escalão governista foi imediata: os ministros Aloysio Nunes (Relações Exteriores), Bruno Araújo (Cidades) e Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo) criticaram o programa e ampliaram a fissura com a ala favorável ao desembarque do governo e às mudanças internas.

Em diversos momentos, o programa afirma que “o PSDB errou”. Há ainda uma explicação sobre o funcionamento do “presidencialismo de cooptação”: os poderes Executivo e o Legislativo, segundo a peça, relacionaram-se por meio de inúmeras trocas de favores. “Presidencialismo de cooptação é quando um presidente tem que governar negociando individualmente com políticos ou com partidos que só querem vantagens pessoais, que não pensam no país, uma hora apoiam, outra não, e, quando apoiam, cobram caro”, diz o locutor. Nesse instante, o bonequinho que está no vídeo, carregando vários pacotes, tem os olhos transformados em cifrão. O programa ainda estava sendo transmitido quando Aloysio foi às redes sociais:

— Tenho 30 anos de vida parlamentar e nunca recebi dinheiro ou pedi vantagens para apoiar as agendas em que acredito. De quem o programa está falando? O sujeito desses verbos que indicam práticas reprováveis são “os políticos”. É uma forma pantanosa e politicamente irresponsável de diluir as culpas pela degradação institucional, que, ao lado da crise econômica e da desorganização administrativa, constitui o legado de um partido político. E esse não é o PSDB. É o PT — afirmou o ministro.

Segundo ele, os petistas devem ter dado “gargalhadas” ao assistirem ao conteúdo que foi ao ar:

— Pergunto aos marqueteiros: o apoio do PSDB ao governo Temer, os cargos que ocupamos, foram negociados por baixo do pano, por fisiologismo ou apego aos cifrões que aparecem nos olhos dos bonequinhos em que o programa representa “os políticos”?

Já o ministro Antonio Imbassahy, que coordena o processo de punição aos infiéis a Temer durante a votação da denúncia de corrupção no plenário da Câmara, com a troca de cargos de segundo e terceiro escalões, afirmou, por nota, que “a linha adotada no programa ofende fortemente o PSDB, colocando o partido numa posição extremamente ruim e desconfortável, como se fosse o culpado por todos os problemas, inclusive aqueles criados por governos do PT, dos quais foi oposição”. Diz ainda que, “em vez de fortalecer o partido, preferiu-se expor, em rede nacional, uma divisão interna que, a meu ver, já havia sido superada”.

Apesar de um tom abaixo do colega de ministério, Bruno Araújo também fez críticas e disse, em nota, que a peça encomendada por Tasso não o representa. “Seguimos um caminho de compromisso e recuperação do país. Por tudo isso, esperamos da presidência interina que se conduza dentro dos limites das decisões tomadas na legítima instância do partido, a Executiva Nacional”. 

A VIDA COMO ELA É 
Outro interlocutor afirmou que Aécio, investigado na Lava-Jato, “não gostou” do programa. Já o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), mais ligado a Tasso, disse que o programa é ousado, corajoso e dialoga com “a vida como ela é”.

— Não há como não admitir, em que pese reconhecer que a deterioração da situação política é responsabilidade do PT, que também nos deixamos levar pela velha política. A autocrítica vai nos levar à construção de uma agenda conectada com a realidade. A reação ao conteúdo do programa revela uma coisa que não é muito comum no PSDB, que é ser humilde — ironizou Ferraço.

O senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO) foi outro a aprovar o tom da peça:

— O programa, de maneira geral, ficou muito bom. A crítica ao presidencialismo de cooptação é importante, mas é preciso ter cuidado — ponderou Oliveira.

Tasso, que ligou para Temer com o objetivo de explicar que o programa, criado pelo marqueteiro Einhart Jácome, não tinha o peemedebista como alvo, defendeu a necessidade de o PSDB estar à frente na defesa de mudanças. Na conversa com Temer, o senador sustentou que o foco da peça é a defesa do parlamentarismo e a crítica ao que ele chama de “falência do sistema presidencialista”. O trecho que causou mais constrangimento entre os tucanos, principalmente os ministros, é o que mostra a compra de apoio de políticos no “presidencialismo de cooptação”, o que foi interpretado como uma acusação indireta a Temer, embora o nome do presidente não seja mencionado.

— Não tem nada contra Temer. Aliás, o programa defende o Temer, ao apontar as dificuldades que ele enfrenta para governar. Não é o programa que diz que Temer está comprando deputado com dinheiro, o programa fala que, no presidencialismo de cooptação, se troca apoio por vantagens. E quem apareceu na televisão dizendo que, se a fatura não for paga, não vota as reformas foi um deputado da base aliada de Temer — afirmou Tasso, que considera as críticas ao programa parte de um movimento para retirá-lo da presidência do PSDB.

FH DEFENDE E DORIA SILENCIA
No Rio para participar de um evento com empresários, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu o conteúdo do programa.

— Nessa nova sociedade, mentiu, morreu. Tem que dizer as coisas. Tem que dizer com sinceridade: “Acredito, não acredito, penso, não penso, estou errado, errei”. Se o PSDB fizer isso... Vi muita crítica ao Tasso (Jereissati) por causa do programa, mas ele (programa) falou isso: “Erramos? Erramos, fazer o quê?” Vai dizer que não erramos? Não foi um erramos, alguns erraram, mas está bem, você está falando pelo partido, tem que dizer que erramos, não tem outro jeito — disse FH.

Ao ser perguntado, pela plateia, se considerava que o PSDB havia morrido, o ex-presidente concordou:

— Na medida em que os outros partidos também acabaram. A crise é geral, o que não significa que os partidos vão desaparecer. Na próxima eleição, eles estarão aí. O PSDB tem possibilidades. É preciso ver que ideias o PSDB vai ter e que pessoas vão incorporar isso.

Procurado, o prefeito de São Paulo, João Doria, preferiu não comentar. (Colaborou Marco Grillo)

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