quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Sem acordo, reforma emperra

Por falta de acordo e diante da divisão dos deputados, a Câmara não conseguiu votar em plenário a reforma política. A criação do fundo de R$ 3,6 bilhões para financiar eleições foi criticada pelos ministros do STF Marco Aurélio Mello e Alexandre de Moraes.

Empacou

Sem acordo para sistema eleitoral e financiamento, votação da reforma política é adiada

Catarina Alencastro, Cristiane Jungblut e Carolina Brígido | O Globo

-BRASÍLIA- A reforma política chegou ontem a um impasse. Diante da dificuldade de se conseguir o mínimo de acordo que permita a aprovação das propostas de alteração mais profundas no sistema político — especialmente a mudança no modelo eleitoral e a proposta de criação de um fundo bilionário de financiamento público de campanhas —, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerrou os trabalhos sem fazer qualquer votação na sessão que tentava retomar o tema.

Ao longo do dia, Maia tentou construir um acordo que permitisse votar os pontos da primeira proposta da reforma — são três em discussão na Câmara. A votação do projeto seria feita por temas, começando com o chamado distritão para 2018. Em seguida, seria a vez da criação do fundo eleitoral. O último item seria a mudança, a partir de 2022, para um sistema de voto distrital misto. No entanto, diante da reclamação de partidos de esquerda, Maia acabou cancelando a votação.

Ao chegar à Câmara, no início da tarde, o presidente já dava sinais das dificuldades que se anunciavam.

— Se tivesse acordo, não precisava de voto. Se precisa de plenário é porque é preciso quorum. Reforma política não tem acordo nunca — disse Maia.

Maia chegou atrasado à Casa porque reuniu líderes partidários na residência oficial da Câmara, mas não houve acordo sobre a votação. Ao longo do dia, alguns parlamentares chegaram a cogitar votar primeiro outra proposta da reforma eleitoral, relatada pela deputada Shéridan (PSDB-RR), que trata de temas mais consensuais entre os especialistas: a criação de uma cláusula de barreira para reduzir o número de partidos e o fim das coligações proporcionais. Mas nem essa tese avançou.

O líder do DEM na Câmara, deputado Efraim Filho (PB ), disse que não houve avanços nas discussões entre os partidos.

— Não há maioria de votos para nenhuma das posições. Mas acho que o pior dos mundos é não votarmos nada e não mudarmos o sistema eleitoral — disse Efraim Filho.

A polêmica proposta de um fundo público e bilionário de financiamento eleitoral virou alvo ontem dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Marco Aurélio Mello. A proposta faz parte do pacote de reforma política que voltou a ser debatido à noite no plenário da Câmara. Os ministros defendem o caminho projetos oposto, com o desenvolvimento de eleições mais baratas.

— Não sou a favor de um fundo de quase R$ 4 bilhões. Todos nós já pagamos a democracia. E devemos pagar. O horário eleitoral gratuito tem isenção de impostos para quem cede. O fundo partidário é um dinheiro que poderia ir para o contribuinte. Então, isso (novo fundo) não é possível. A meu ver, não seria o razoável — opinou Alexandre de Moraes.

Para ele, uma forma de baratear as campanhas seria instituir o voto distrital misto, em que parte da Câmara seria eleita pelo voto majoritário e outra, pelo voto partidário em lista fechada.

— O que temos de fazer é baratear a campanha. Por que a campanha política precisa ser cinematográfica? Existem campanhas, principalmente majoritárias, em que a gravação é melhor que de minissérie. Com o voto distrital misto vai ser muito mais barato — disse Moraes.

De acordo com o relatório do deputado Vicente Cândido (PT-SP), esse sistema seria adotado a partir de 2022. A medida, no entanto, é polêmica e não conta com apoio amplo entre congressistas. Já o ministro Marco Aurélio defendeu propagandas eleitorais mais simples e informativas, sem grande produção dos marqueteiros:

— Que haja (a reforma política). Eu vejo como muito dinheiro (a proposta do novo fundo), mas vamos esperar para ver o que ocorrerá.

Apesar de não ter comentado a proposta de criação do fundo, Ricardo Lewandowski demonstrou simpatia pelo modelo distrital misto. Ele criticou o modelo eleitoral adotado hoje.

— O distrital misto fortalece os partidos políticos. É o momento de fortalecermos os partidos políticos junto com uma cláusula de barreira. O voto proporcional com coligações tem apresentado distorções reconhecidas pelos especialistas e isso precisa ser modificado — disse Lewandowski.

O presidente interino do PSDB, senador Tasso Jereissatti (CE), disse ontem que a tendência em ascensão no Senado é pela volta de algum tipo de financiamento privado para as campanhas de 2018.

Segundo Tasso, não há acordo para aprovação do fundo bilionário:
— Eu defendo, acho que é absolutamente inaceitável qualquer fundo que tire dinheiro hoje do orçamento e de importantes diante dessa crise. Não o financiamento do jeito que era, mas com novas regulações, bem duras. Não tem acordo.

FEDERAÇÕES DESMEMBRADAS
Marcada por muitas pressões de partidos e de deputados, a reforma política teve ontem com mais uma novidade: um arranjo que desmonta o principal argumento de sustentação das federações partidárias. Inventada para “salvar” os partidos pequenos de uma eventual extinção devido à cláusula de barreira, a federação permite que aquelas agremiações que temerem não atingir um percentual mínimo de votos nacionais possam se juntar a outras siglas para se eleger e manter essa união durante os quatro anos de mandato. A federação surgiu em substituição à coligação partidária, que será proibida a partir de 2020, caso o projeto seja aprovado.

A nova versão apresentada ontem pela deputada Shéridan (PSDB-RR), relatora da matéria, prevê agora, no entanto, que as federações montadas nacionalmente possam se desmembrar nos estados para efeito exclusivo durante a eleição. E após o pleito, voltam a se unir em uma federação nacional que perduraria por todo o mandato. Esse improviso foi acrescentado a pedido dos partidos pequenos, que argumentam haver diferenças grandes nos diferentes estados.

— Essa subdivisão da federação partidária nada mais é do que uma coligação com outro nome. Você vai construir para cada estado e município uma coligação com o nome de sub-federação. Onde for interessante, a federação vale. Onde não for interessante, a federação não vale. Faça-me o favor — criticou a deputada Laura Carneiro (PMDB-RJ).

— Não é verdade que a federação é uma coligação, ainda que subdividida. A federação tem seus efeitos prolongados por quatro anos. Essa possibilidade de fragmentação é para evitar o caciquismo nacional que ignora as realidades nos estados — defendeu o deputado Rubens Pereira Júnior (PCdoB-MA) (Colaborou Maria Lima)

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