segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Truculência eloquente e familiar | Fernando Limongi

- Valor Econômico

Maia foi demovido de assumir o papel da dupla Cunha-Temer

Michel Temer, discursando logo após o encerramento da votação da quarta-feira, reputou o resultado como uma vitória eloquente. Convenhamos, como gosta de dizer o presidente, há aqui enorme exagero. Não ser derrotado não é o mesmo que vencer.

A análise do ocorrido quarta feira privilegiou a votação final do relatório de Paulo Abi-Ackel, quando o presidente obteve 263 votos favoráveis, uma margem de vitória que está longe de ser confortável ou garantir a sobrevivência do presidente até o fim do seu mandato.

Ao privilegiar esta votação final, os holofotes se voltaram para os parlamentares do famigerado Centrão e sua alegada volúpia por cargos e verbas. Entretanto, estes foram atores coadjuvantes do drama e só foram chamados ao palco quando a fatura já estava decidida. A tatuagem do deputado Wladimir Costa (SD-PA) pode até ser duradoura, mas a lealdade obtida no toma-lá-da-cá não resiste às mudanças do ambiente politico, como Dilma Rousseff e Eduardo Cunha bem o sabem.

Quando a sessão foi aberta, todos sabiam que não havia votos suficientes para afastar o presidente. Já se sabia disso há dias. A verdadeira batalha, portanto, era a relativa à obtenção do quórum. Independentemente do número de votos que Temer fosse capaz de obter, sabia-se que eles eram mais do que suficientes para garantir que, se viesse a voto, a denúncia oferecida por Rodrigo Janot seria enterrada.

Durante todas as semanas que precederam a votação, a ênfase recaiu sobre a obtenção do quórum. Após a votação, a questão foi relegada ao esquecimento. Mas o fato é que a vitória decisiva para o governo se deu por volta do meio dia e meia, quando 342 parlamentares registraram presença e o requerimento para encerrar os debates obteve 292 votos favoráveis.

Simples aritmética revela que um número razoável de parlamentares marcou presença, apoiou o encerramento dos debates e, posteriormente, deixou de votar favoravelmente a Temer. Por quê?

Dito de forma inversa, se determinados a criar embaraços para o governo, se verdadeiramente comprometidos a derrotá-lo, os 227 parlamentares que votaram contra o relatório Abi-Ackel poderiam ter impedido a realização da sessão. Não o fizerem e não por um erro de estratégia. As lideranças partidárias decidiram, por razões diversas, aliviar a pressão.

Como enfatizado pela imprensa, o PSDB dividiu-se ao meio na votação da denúncia, confirmando assim a proverbial tendência do partido de ficar em cima do muro. Entretanto, no momento de dar quórum e forçar o voto, os tucanos marcharam com unidade de fazer inveja a velhos partidos operários. Não estavam sozinhos. O PMDB, por exemplo, compareceu de forma maciça para dar início à sessão, registrando uma única ausência, a de Sergio Zveiter do Rio Janeiro, autor do parecer derrotado na CCJ. Outros partidos e, mesmo algumas "celebridades" como Tiririca e Jair Bolsonaro, só registraram votos contrários ao Planalto diante das câmeras.

Mesmo o PT emitiu sinais de que preferia salvar Temer. O governador da Bahia exonerou secretários e Carlos Zarattini aceitou sem maiores protestos a interpretação da Mesa de contar como presentes quem discursara sem assinar a lista de presença. O partido não esconde que aposta na redenção eleitoral via fracasso do atual governo.

A votação final não passou de um grande jogo de cena. A decisão crucial já havia sido tomada. As principais lideranças, as que poderiam fazer Temer sangrar, aguardando novas denúncias, optaram por preservar o governo.

A mudança de comportamento do PSDB não pode passar sem registro. A unidade do partido nas duas primeiras decisões é digna de nota, a mesma unidade que, diga-se, ainda que com sinal contrário, demonstrou em momentos-chave do impedimento de Dilma. Na quarta feira, falaram mais alto os interesses de Aécio Neves e Geraldo Alckmin, o primeiro buscando encontrar o caminho que lhe permita escapar de um fim sombrio, o outro a pavimentar o que pode levá-lo ao Planalto.

Os tucanos, é verdade, liderados por Tasso Jereissati e Fernando Henrique Cardoso, parecem ter ensaiado os primeiros passos para atravessar o Rubicão em companhia do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, apenas para recuar no momento seguinte e manter apoio decisivo para o governo Temer.

A chave para entender o que se passou nas últimas semanas foi dada pelo próprio Rodrigo Maia em entrevista transmitida ao vivo pela GloboNews, tão logo a votação foi concluída: "Um processo como esse, que nunca tinha acontecido no Brasil, é um aprendizado. Mas não posso negar que atos de alguns assessores do presidente foram muito truculentos, muito duros contra a minha pessoa. (...) Eu nunca esperei que o entorno do presidente fosse jogar tão baixo comigo. Isso eu não posso deixar de falar."

Rodrigo Maia, por razões familiares, conhece bem o círculo íntimo do presidente. A truculência e a baixeza do entorno presidencial, convenhamos, não podem surpreendê-lo.

Depreende-se que Maia foi demovido de assumir o papel que a dupla Cunha-Temer desempenhou no impedimento de Dilma. Deixou claro quem o bloqueou e quais foram os métodos empregados.

Na realidade, portanto, ao contrário do que alega Maia, um "processo como esse" não é novidade. Aconteceu outro dia, pouco mais de um ano atrás, e deixou lições amargas para os que nele embarcaram achando que se livrariam facilmente dos companheiros de viagem.

A família, entretanto, ainda tem contas a acertar. Não se deve esquecer que o calvário de Temer começou quando Joesley cansou de bancar o silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro. Porque recolhidos a prisões, os dois estão momentaneamente a salvo da truculência a que os membros da família recorrem, não apenas contra seus adversários, mas também entre si mesmos.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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