sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Um acerto, de onde menos se espera | César Felício

- Valor Econômico

Fim de coligação proporcional seria uma boa notícia

É difícil imaginar proposta mais saudável na reforma política do que o fim das coligações nas eleições proporcionais. Se apenas a este item se resumir toda a discussão, terá valido a pena. Realizar exercícios contrafactuais sempre é uma tarefa árdua, mas um estudo já antigo, feito pela Consultoria Legislativa da Câmara há dois anos, permite fazer algumas projeções do impacto que teria a limitação das alianças partidárias na escolha da Câmara dos Deputados. É uma transposição precária, já que os partidos em 2014 adequaram sua estratégia às regras do jogo de então, mas é melhor que nada.

O efeito mais importante não seria o da redução do quadro de partidos presentes no plenário, em que as atuais 28 siglas tornam o parlamento brasileiro o mais pulverizado do mundo. Seriam 23, se as regras que se discutem estivessem vigentes em 2014. Para diminuir a fragmentação a cláusula de barreira é mais significativa. Caso vigorasse há três anos um sarrafo de 1,5 % em nível nacional, a quantidade de partidos com direito a funcionamento parlamentar e acesso à televisão e aos fundos públicos cairia para 18. Mas esta é outra discussão.

O impacto significativo do fim das coligações seria o do aumento de representatividade no Congresso. As bancadas parlamentares guardariam mais nexo com as eleições majoritárias para cargos executivos, que conduzem o processo político, movem os debates eleitorais e a cabeça do votante.

Se as regras em discussão valessem em 2014, os partidos que estavam nas chapas presidenciais teriam bancadas bem maiores na Câmara do que as que foram eleitas. O chamado Centrão teria sido limado. Eduardo Cunha teria, no mínimo, mais dificuldade para ser eleito presidente da Câmara.

É uma norma que vale para o PT, que passaria de 68 para 102 parlamentares; para o PMDB, que iria de 66 para 93 deputados e para o PSDB, que veria sua bancada engordar de 54 para 68 integrantes. Mas a regra não beneficiaria apenas as três grandes legendas. Também teriam ganho o PSB, o Psol e até o nanico PRTB. Sim, o próprio Psol, único partido a votar contra o tema na Comissão Especial, cresceria. Em comum as seis siglas participavam da eleição presidencial. Somente não se beneficiariam na mesma situação o PV, que lançou na ocasião Eduardo Jorge; e o PSC do pastor Everaldo.

O corolário da nova regra, caso ela seja implantada, é que a proibição de coligações proporcionais desestimula as alianças nas eleições majoritárias. Não haveria mais a situação, muito presente nas eleições para governador, de candidatos com o apoio de mais de vinte partidos, comprados a peso de ouro no mercado do horário eleitoral gratuito, conforme já se registrou. A coligação que elegeu Dilma em 2014 reuniu nove legendas e é tema de investigação. O "making of" da sua montagem faz parte da delação da Odebrecht.

Para sobreviver, os partidos serão impulsionados a lançar candidatos para presidente e governador, que puxem votos para o restante da chapa. O quadro das eleições presidenciais tende a se fragmentar e aumenta a chance de candidatos com menor percentual de votos serem mais competitivos. Mas isto não tira a representatividade de quem vier a ser eleito, porque o segundo turno existe precisamente para que não seja eleito à Presidência ou a um governo estadual algum candidato com percentual de votos muito baixo.

A proposta que conta com chances razoáveis de ser aprovada pelo plenário da Câmara é excessivamente moderada e não explora todos os ganhos que o fim das coligações proporcionais poderia gerar ao sistema. Diluíram a fórmula das federações partidárias, ao criarem a possibilidade do arranjo nacional não ser reproduzido em todos os Estados. Na prática, a mudança de última hora feita pela deputada Shéridan transforma as federações em confederações partidárias. É quase a mesma coisa que a nefasta regra atual das coligações, mas há uma diferença essencial: o acerto regional precisa ser feito entre partidos que estejam juntos na aliança nacional.

Se quatro partidos se unirem em uma federação nacional, podem concorrer separadamente em um Estado, ou em coligações de dois ou três, mas não podem se unir a siglas que estão fora da aliança maior.

A subfederação é uma medida cautelar do sistema político exatamente para casos como o do Estado da deputada que relatou a proposta, porque o fim das coligações proporcionais gera um problema em relação a uma particularidade da eleição proporcional, que é a do quociente eleitoral.

Os deputados no Brasil são eleitos pelo quociente eleitoral, ou seja, a razão do total de votos válidos para a Câmara pelo número de cadeiras de cada Estado é o patamar mínimo que os candidatos de um partido precisam atingir para alguém se eleger. Nos Estados com representação pequena, como Roraima, com apenas oito cadeiras, um partido precisaria de no mínimo 12,5% dos votos para ter direito a uma cadeira. Shéridan, a mais votada em 2014, teve 15% e o PSDB foi o único partido a atingir o quociente em Roraima. Pela regra atual, sem as coligações, ficaria com todas as vagas do Estado, o que fere a regra da proporcionalidade.

Teria sido melhor eliminar o quociente eleitoral e determinar simplesmente que, sem coligações, cada partido fica com o número de vagas proporcional à sua votação na circunscrição. Mas na caótica tramitação que a reforma política está tendo na Câmara esta discussão é feita em outra comissão, a que analisa mudanças infraconstitucionais e é relatada pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP). A proposta relatada por Shéridan avançou, mas a do petista não. Por precaução ante o imponderável, os deputados decidiram descafeinar a federação partidária. "Eu mesma não sei se conseguiria ser eleita novamente por esta regra que estou relatando", disse a tucana. A poucos dias do prazo final para votar regras que entrem em vigor nas eleições de 2018, a fragmentação da reforma implica em travamentos gerais. Uma proposta não avança porque a outra vacila e o quórum exigido para mudanças constitucionais exige consensos impossíveis.

Em que pese as concessões feitas, o fim das coligações pode ser o que sobrará da reforma. Se assim for, melhora a representatividade.

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