quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Uma homenagem merecida a Marcello Cerqueira | Francisco Inácio de Almeida

- Site do PPS

Na última segunda-feira, dia 28, na Livraria Travessa do Shopping Leblon, o Rio de Janeiro vivenciou um inesquecível evento que reuniu cerca de 300 pessoas. Foi a noite de lançamento do livro Fragmentos de Vida (Memória), de autoria do advogado, político, poeta e escritor Marcelo Cerqueira, obra que contou com a colaboração de Gustavo Barbosa, tendo em vista ele ter sido vítima, no ano passado, de uma violenta queda que lhe trouxe problemas físicos graves.

A noitada reuniu figuras expressivas do país, com destaque para o senador José Serra, o ex-senador Pedro Simon, o deputado federal Roberto Freire; o ex-ministro Nelson Jobim e os ex-ministros do STF, Carlos Aires Brito e Carlos Veloso; os cineastas Cacá Diegues, Silvio Tendler e Zelito Viana, e a atriz Itala Nandi; as cientistas políticas Anita Leocádia Prestes, Cleia Schiavo e Marly Viana; o historiador Ivan Alves Filho; o médico Jacob Kligerman; assim como representantes da Academia Brasileira de Letras (como os jornalistas Merval Pereira e Zuenir Ventura), da Associação Brasileira de Imprensa (os jornalistas Ancelmo Goes e Sebastião Nery), do Clube de Engenharia (Sergio Augusto de Moraes) e da Ordem dos Advogados do Brasil.

O homenageado e autor da magnífica obra lançada tem rica trajetória na vida brasileira, não apenas como ativista político desde 1959, quando entrou para o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade Nacional de Direito, da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nesta época, já atuava no Partido Comunista Brasileiro (PCB). Ele foi um dos fundadores do Centro Popular de Cultura (CPC) e da revista Movimento, da União Nacional dos Estudantes. Trabalhou como repórter no Jornal Metropolitano, encarte do Diário de Notícias, com circulação aos domingos. Em 1963, foi eleito vice-presidente da União Nacional dos Estudantes, na chapa de José Serra, que ocuparia a presidência da UNE. Com o golpe de 1964, diante da perseguição dos militares, foi obrigado a deixar o país, com destino inicial na Bolívia, de lá seguindo para o Chile e depois para a antiga Checoslováquia. Retornou para o Brasil, em 1965, e viveu por um período em São Paulo, na clandestinidade. Meses depois, decidiu voltar para o Rio de Janeiro com a intenção de se legalizar e terminar os estudos. Após alguns dias, reassumiu sua identidade e foi concluir seu Curso de Direito.

Como profissional da advocacia, foi um dos que mais defendeu presos políticos naquele difícil período (entre os anos de 1968 e 1978, mais de mil pessoas acusadas com base na Lei de Segurança Nacional (LSN) e em casos de “desaparecidos políticos” tiveram sua defesa). Em 1969, foi novamente preso, num quartel da Marinha, devido à sua insistente militância contra a ditadura. Em 1976, distribuiu uma carta à imprensa para denunciar as torturas sofridas por seu ex-colega da UNE, Aldo Arantes, detido em São Paulo sob a acusação de ser dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). A carta tornou-se um marco histórico por ser a primeira denúncia formal de tortura publicada em veículos de comunicação, em pleno período de arbítrio.

Em 1978, instigado por seus companheiros de luta, candidatou-se e se elegeu deputado federal, pela legenda do Movimento Democrático Brasileiro, cumprindo papel relevante na denúncia dos crimes contra a ditadura, tanto quanto na articulação política, via Frente Ampla, que nos conduziu a isolar e derrotar o governo civil-militar.

No início da década de 1980, uma série de sequestros e atentados à bomba afrontam a abertura política. Marcelo sofreu dois atentados: uma explosão destruiu seu carro e logo depois uma bomba explodiu em sua residência. Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investigava essa escalada do terrorismo, ele declarou sua convicção de que os crimes eram praticados pela ultradireita, com o objetivo de criar instabilidade aos que lutavam pela democratização do país. Com o término do mandato, em janeiro de 1983, voltou à advocacia e começou a lecionar no Curso de Direito, da Faculdade Cândido Mendes (UCAM).

No início do governo de José Sarney, em 1985, foi nomeado consultor jurídico do Ministério da Justiça, na gestão de Fernando Lira. Nesse mesmo ano, lançou sua candidatura à prefeitura do Rio de Janeiro, em chapa que tinha como vice o jornalista João Saldanha. Não se elegeu, mas deixou sua marca de afirmar valores e propor caminhos novos para a Cidade Maravilhosa.

Voltou a advogar e, em 1989, acompanhou a auditoria militar que indiciou 12 oficiais da Marinha por responsabilidade no naufragio do Bateau Mouche IV, acidente em que morreram 55 pessoas na noite de Ano Novo de 1989. Auxiliou a promotoria do caso também na justiça comum e no Tribunal Marítimo, como advogado de acusação, representando familiares de vítimas. Entre 1992 e 1993, ocupou o cargo de procurador-geral do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e, em seguida, assumiu a Procuradoria-Geral do Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade), cargo que ocupou até o fim do governo Itamar Franco (1992-1994).

Em abril de 2000, foi empossado na presidência do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e até recentemente ocupou a Procuradoria-Geral da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Já em abril de 2010, lançou sua pré-candidatura ao Senado, pelo PPS do Rio de Janeiro, na chapa de José Serra para a Presidência da República, sem conseguir, contudo, se eleger.

Homem simples, fraterno, revelou-se também como um intelectual singular, não apenas como jurista e político, mas também como poeta ou cronista, e como escritor de nomeada. É autor sozinho e em trabalhos coletivos de mais de trinta obras, que fizeram sucesso no país e até no exterior. Dentre suas obras se destacam Legem non habitat necessitas – O risco do jurídico, Comissões parlamentares de inquérito – alcance e extensão dos poderes das CPI’s, Cartas constitucionais, império, República e autoritarismo, Controle do Judiciário, doutrina e controvérsia, A Constituição na história, origem e reforma, Quem não sabe rezar xinga a Deus, Reforma constitucional com quorum reduzido é golpe de Estado, Bateau Mouche: o naufrágio do processo, Chacina na serra, Em defesa dos presos políticos: por uma anistia ampla, geral e irrestrita, Recado ao tempo, Papéis avulsos, As cidades de Deus – violência, criminalidade & cidadania, Sistema de governo: presidencialismo ou parlamentarismo, Cidadania partida, O deus ferido, O sapato de Humphrey Bogart, Várias são as formas de luta. A Defesa da Constituição é uma delas, A Constituição: controles e controle externo do Poder Judiciário, Vinte anos não é nada, Marques Rebelo: a chave do romance e Onde morrem as estrelas.
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Francisco Inácio de Almeida é membro da Executiva Nacional do PPS e editor da revista Política Democrática

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