sábado, 16 de setembro de 2017

Castelos de areia (movediça) | Dora Kramer

- Revista Veja

As torcidas festejam agruras do inimigo — e logo são contrariadas

Um dos poucos consensos existentes no Brasil é o de que o país não será mais o mesmo a partir das eleições de 2018. Não há como discordar, embora seja necessário registrar, a título de adendo, que o Brasil já não é mais o mesmo desde a condenação e prisão da primeira leva de poderosos da República, há pouco menos de cinco anos, no processo que puxou o primeiro fio da meada de ilícitos que assolam instituições, empresas, governos e partidos no país.

Tal espetáculo de horrores arraigados na vida nacional, ao qual o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal começaram a impor rigorosos limites no caso do mensalão, assusta menos pelos fatos revelados e mais pelo rompimento da rotina de impunidades. Nesse desarvoro, brotam as reações e/ou interpretações mais estapafúrdias. De parte a parte, igualmente desmentidas pelo andar da carruagem investigativa.

As torcidas, pobres desavisadas, lutam bravamente por suas versões que não resistem ao vigor dos fatos. Quanto mais festejam as desventuras dos inimigos (sim, na atual conjuntura não há mais adversários), mais são contrariadas pelo momento seguinte em que a situação se inverte.

Dias atrás era voz corrente entre alguns autores que a investida dos investigadores sobre o governo de Michel Temer teria resultado na redenção e, por consequência, ressurreição política de Lula da Silva. De acordo com esses relatos, o ex-presidente teria se tornado um competidor de peso na próxima eleição presidencial.

Hoje, depois de tornar-se réu em seis ações penais, ser denunciado em outras três e alvo de um depoimento arrasador de Antonio Palocci, não há bom-senso que consiga enxergar Lula como objeto do alegado benefício eleitoral. Nem ele, esperto que é, acha que terá chance de concorrer e muito menos de ganhar.

Reza uma lenda que o ideal seria deixar Lula disputar e perder para ser politicamente enterrado pelo voto popular. O raciocínio aparentemente faz sentido, a não ser pelo fato de que isso implica a defesa da tese de que todas as ações e processos contra ele devam ser deixados de lado, a Justiça ignorada, para que o veredicto seja dado na eleição. Argumento flagrantemente contrário à lei, cujo respeito é um dos pressupostos democráticos, junto com eleições livres.

A mesma síndrome do autoengano afeta os partidários de Temer e/ou adversários dos métodos da Lava-Jato. Supostas bandidagens de procuradores e a comprovada vulgaridade criminosa de Joesley Batista resultariam necessariamente em prova de inocência do atual presidente, razão pela qual petistas acreditam ter sido uma injustiça o impeachment de Dilma Rousseff. E deixá-la prosseguir no caminho da loucura seria bom para o país?

Nem uma nem outra. Nada disso. Ambas as opções são péssimas. O melhor mesmo é que a sociedade derrube castelos de areia e que os acusados que não conseguem responder às acusações afundem-se todos na areia movediça dos respectivos atos criminais e condutas ilícitas.

Vamos combinar? Estão os dois hoje, Lula e Temer, como chefes de quadrilha.
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Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2017, edição nº 2548

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