sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Desta vez, a culpa é da direita | Reinaldo Azevedo

- Folha de S. Paulo

Direita xucra transforma as redes sociais, programas de rádio e até atrações de TV num esgoto a céu aberto

"Não morri de mala sorte/ morri de amor pela morte". Esses dois versos encerram "Romance", um dos belos poemas de Mário Faustino (1930-1962), o melhor poeta brasileiro do século passado. Felizmente, não emprestava seu talento a besteiras como "arte engajada". Seus temas eram o amor, a morte, a solidão, a dor e a delícia de existir. E disso deveríamos todos nos ocupar.

Minha ideia de paraíso na Terra é um regime democrático com uma burocracia estável, comandada por pessoas sem carisma, que atuem no estrito cumprimento das leis. Mas não! A República Federativa de Banânia cobra da gente mais do que coragem. Aliás, notem: engajamento e frenesi, ainda que esse de redes sociais, são sintomas de atraso em marcha, não o contrário. "Ah, e os EUA?" Atraso em marcha!

"Vá morar na Noruega, Reinaldo!" Não dá! Preciso de sol e calor para ser feliz. Atavismos...

Os versos de Faustino vieram-me à memória semana passada ao constatar que a reforma política, no que tem de essencial, deve dar com os jumentos n'água! Jumentos orgulhosos de seus zurros anti-establishment.

Desta feita, os políticos não são os principais culpados. Também não dá para enfiar a mão, em sentido metafórico e moral, na fuça das esquerdas. Eis a obra da direita xucra. Transforma as redes sociais, sites, blogs, programas de rádio e até atrações de TV num esgoto a céu aberto de indigências intelectuais, estupidez militante e ignorância sobranceira e autorreferente. Sua biblioteca é o fígado, patrocinado por especuladores, bucaneiros e doadores secretos.

Alguns movimentos que se colocaram na linha de frente contra as mudanças possíveis são compostos de jovens (alguns já bem rodados...) que se querem a "renovação" e que se dizem adeptos de uma tal "nova política", mero slogan marqueteiro que nunca disse a que veio. Passaram a comer pelas mãos da facção milenarista do Ministério Público Federal, sob a orientação dos reverendos Deltan & Carlos Fernando. A dupla também pauta a imprensa séria, que abriga muitos piadistas involuntários em busca de "likes".

Talvez se aprovem cláusula de barreira e proibição de coligações proporcionais. E pronto.

Distritão é, sim!, um horror. Mas tudo estava preparado para que fosse a antevéspera do voto distrital misto já para 2022. Com esse modo de representação, o debate sobre o parlamentarismo iria se impor. A eventual criação de um fundo público de campanha era só o argumento necessário para a volta da doação de empresas, que existe, em modalidades muito distintas, em todo o mundo democrático. Tratava-se apenas de aprovar uma lei mais severa para coibir excessos.

E nem seria preciso construir agora o "Moisés" da reforma política. Faltam-nos Michelangelos para isso. Ao longo do tempo, consertaríamos o nariz, a mão, o desenho da túnica. Os xucros têm pressa porque não têm critério. Ademais, não se enganem: safadezas como o petrolão não precisam, para existir, da doação de pessoas jurídicas a campanhas. Nasceria a flor do pântano.

Ocorre que, do pântano, escolhemos os miasmas da retórica chula: "E então vamos dar mais dinheiro para os políticos? Não!!! Vamos permitir a reeleição dos caciques? Não!!!"

A "vanguarda do retrocesso" tomou a frente da batalha. E não há menor chance de o país ser socorrido por políticos corajosos, que aceitem enfrentar essa "doxa" vagabunda, segundo a qual toda doação de empresa é propina e todo fundo público consiste num assalto aos cofres –ainda que eu deteste o modelo. O ponto é: o que daria para fazer agora além disso?

Tudo indica que vamos para 2018 sem fonte pública ou privada (conhecida ao menos) de financiamento. E com voto proporcional. Vanguarda assim é coisa rara. E ainda houve, e há, entre esses patriotas, os que insistem em depor o presidente da República.

Mais um Faustino: "A vanguarda do não avança e vence". Ninguém nos empurrou para isso. Não era um destino. Não é mala sorte. É uma escolha. É amor pela morte.

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