sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Distritão derrotado e a reforma possível |Roberto Freire

- Diário do Poder

Alguns dos principais itens discutidos e aprovados na Câmara dos Deputados indicam que a reforma política possível de ser alcançada já para as eleições de 2018, se não é aquela de que o Brasil necessitava, ao menos representa um avanço em relação ao que tínhamos e um evidente aprimoramento do nosso modelo político-eleitoral. Há que se destacar a rejeição do sistema conhecido como “distritão”, uma contrafação da democracia representativa e que praticamente acabaria com os partidos e tornaria impossível a governabilidade.

A derrota do distritão, que não obteve os 308 votos mínimos necessários para uma emenda à Constituição, foi muito importante porque impediu um enorme retrocesso no processo democrático brasileiro. Caso aprovado, tal sistema resultaria em uma preocupante distorção da representação política no Parlamento.

Seriam eleitos os candidatos mais votados a deputado, independentemente das coligações que integrassem ou dos partidos aos quais pertencessem, que se transformariam em meros cartórios para o registro de candidaturas. A Câmara seria formada por nada menos que 513 entidades autônomas, cada uma valendo por si, o que faria com que os governos tivessem de se articular sem qualquer mediação partidária com cada um desses “deputados de si mesmos”, inviabilizando totalmente a indispensável interlocução entre Executivo e Legislativo. Em nosso regime presidencialista, não teríamos condições mínimas para promover uma articulação de governo. Não haveria como viabilizar qualquer tipo de coalizão da base.

Para que se tenha dimensão do absurdo da proposta – que esteve em vias de ser aprovada após uma estarrecedora articulação entre PMDB, PSDB e PT –, o distritão que se queria implementar no Brasil vigora atualmente apenas no Afeganistão, na Jordânia e em pequenos países insulares. Tal sistema já foi utilizado pelo Japão em uma única eleição, no pós-guerra, e imediatamente revogado diante de tamanho fracasso.

Outro aspecto significativo aprovado pela Câmara foi um destaque proposto pelo PPS extinguindo as coligações nas eleições proporcionais a partir de 2020 – elas serão permitidas apenas para as disputas majoritárias. Essa era uma reivindicação benfazeja que já vinha de muito tempo e pôde, enfim, ser votada e aprovada a partir de um consenso com as demais forças políticas da Casa.

Além disso, a instituição de uma cláusula de desempenho progressiva, a ser iniciada em 2018, será um passo importante para impedir o acesso indiscriminado das legendas aos recursos do Fundo Partidário. As agremiações teriam de alcançar 1,5% dos votos válidos nacionais a deputado federal já em 2018, distribuídos em ao menos um terço dos estados – em 2030, esse percentual mínimo seria de 3%. Somente os partidos que chegarem a esse índice poderão ser contemplados com os recursos do Fundo e o tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão.

Pessoalmente, não compartilho da tese de que as anomalias do modelo eleitoral brasileiro tenham relação com a possibilidade de criação de novas agremiações. Partido político é direito de cidadania e não pode ser tutelado ou regulamentado pelo Estado. O grande imbróglio é justamente o acesso irrestrito ao Fundo Partidário e ao tempo de TV. Criou-se no Brasil um amplo mercado de negociações espúrias e tentativas de enriquecimento fácil à custa do dinheiro público, com uma profusão de pedidos de registro de novos partidos. É algo semelhante ao que ocorre no sindicalismo, cada vez mais dependente dos valores provenientes do imposto sindical, felizmente abolido.

Outra ideia absurda que deve ser derrotada é a criação de um fundo de R$ 3 bilhões para financiar campanhas eleitorais, o malfadado “fundão”. Temos de caminhar justamente em sentido contrário, buscando o barateamento das campanhas. É evidente que a sociedade não aceita o uso de dinheiro público para custear as eleições, especialmente neste momento difícil que o Brasil vive, ainda se recuperando da mais grave recessão econômica de sua história e em meio ao impacto dos inúmeros escândalos de corrupção envolvendo políticos, partidos e empreiteiras. Seria um deboche.

Ainda há alguns pontos a serem analisados, mas estou confiante de que impediremos mais retrocessos. Assim como derrotamos o distritão, derrubaremos o indecente fundão. Diante do que foi votado e vetado pela Câmara, é possível dizer que avançamos na construção de uma reforma política tão necessária quanto urgente para o Brasil. Não é a reforma ideal, longe disso, tampouco a “contrarreforma” que se delineava no início do processo. Há imperfeições e aspectos que não foram modificados simplesmente porque não houve consenso em torno de propostas melhores. Mas um primeiro passo foi dado, o que não é pouco, e nos aproximamos de um sistema político-eleitoral mais justo, democrático e funcional.

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Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

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