terça-feira, 12 de setembro de 2017

Economia política da alta taxa de juros | Yoshiaki Nakano

- Valor Econômico

Juros elevados e taxa de câmbio apreciada fazem parte de uma longa tradição histórica e cultural brasileira


Na medida em que a taxa de inflação sofreu uma forte queda e está abaixo da meta, a taxa de juros do Banco Central do Brasil vem sofrendo significativa queda. Na última reunião, o Comitê de Política Monetária reduziu a taxa Selic para 8,25% ao ano. As expectativas são de que o Banco Central pode ainda reduzir mais um ponto percentual. Ainda assim, a taxa real de juros Selic continua bastante elevada, quando comparada aos padrões internacionais.

Em muitos países desenvolvidos, a taxa nominal de juros é negativa, em outros próxima de zero, tal a abundância de liquidez existente no mercado financeiro internacional. Mesmo nos países em desenvolvimento, incluindo a América Latina, onde a taxa de inflação é mais elevada, a taxa nominal de juros, considerada normal, está em torno de 3 % ao ano. Por que o Brasil é tão diferente do resto do mundo?

A hipótese que desenvolvo a seguir é que taxa de juros elevada e taxa de câmbio apreciada é longa tradição histórica e cultural brasileira, portanto, enraizada profundamente na economia política brasileira, do que propriamente em razões puramente economico-financeiras. É uma tradição cultural que ainda não foi explorada devidamente.

Essa preferência no Brasil por taxa elevada de juros tem longa tradição histórica, pois a industrialização e o desenvolvimento do capitalismo brasileiros não conseguiu ainda rompê-la. De fato, o negócio de café no Brasil não teve nenhuma similaridade com o desenvolvimento da indústria de transformação em países desenvolvidos, em que o empresário se engajava num Projeto Nacional de construção de uma estrutura produtiva competitiva para fazer o "catch up". Neste caso, tratava-se de construir uma Nação e o patriotismo o seu veículo. Nesta situação, o empresário tinha que enfrentar a competição, com melhoria permanente dos processos produtivos, reduzindo os custos de produção e melhorando a qualidade de seus produtos.

No negócio de café, para se tornar um fazendeiro bastava ter a posse da terra e inicialmente escravos, posteriormente imigrantes parceiros, que geravam riqueza, colhida uma vez no ano. O volume de riqueza gerada e a produtividade dependiam da qualidade do solo, de sol e chuva, sob os quais ele não tinha nenhum controle, e dos preços no mercado internacional, cuja oscilação também não tinha controle.

O fazendeiro de café se assemelhava mais a um rentista do que um produtor preocupado com redução de custos. Seus lucros dependiam da extensão da sua posse de terras e de variáveis fora de seu controle, não do seu empreendedorismo ou espírito inovador. Apesar do Brasil ser monopolista no mercado de café internacional, somente em 1916, com o acordo de Taubaté, resolve interferir neste mercado.

Uma vez colhido o café, o seu resultado financeiro tinha que ser depositado num banco, para consumir ao longo do ano seguinte, daí a preferência por juros elevados. Como o fazendeiro do café tinha uma mentalidade colonial e, para se diferenciar do resto da população, consumia importados e passava parte ano na Europa, daí a sua preferência por taxas de câmbio apreciadas. Portanto, nada mais natural e racional para a poderosa classe de cafeicultores do que a preferência por altas taxas de juros e taxa de câmbio apreciada. É esta tradição que herdamos e sobrevive até hoje no Brasil.

A classe de capitalistas industriais que surge se desenvolve no Brasil nos interstício da economia cafeeira para substituir importações, portanto voltada exclusivamente para o mercado doméstico. A sua lucratividade dependia da proteção natural e das tarifas de importação impostas pelo governo. Portanto, é uma classe empresarial mais associada ao governo, do que com espírito inovador alimentado pela competição. A realidade é que ainda não conseguimos, mesmo depois da abertura econômica que ocorreu em 1990, formar uma indústria voltada para a inovação competitiva.

A classe política e a classe burocrática brasileira, com forte herança colonial, refletia este quadro e não chegou a formular um verdadeiro Projeto Nacional de Desenvolvimento, a exemplo do que aconteceu na Alemanha, EUA e Japão, por exemplo. Nem seguiu o exemplo dos tigres asiáticos. Acomodou-se em viver sob as benesses do Estado e adaptou-se à globalização, tornando-se um associada dependente das forças dominantes globalmente.

A partir da crise dívida dos anos 80, com a hegemonia do setor financeiro, optamos por um modelo de integração financeira. Neste modelo, trata-se de praticar deliberadamente taxas elevadas de juros e taxa de câmbio apreciada para atrair capitais financeiros para o país, no pressuposto de que o mercado, sendo eficiente, alocaria estes recursos em investimentos produtivos, na ponta longa da curva de juros onde a taxa de retorno é maior e refere-se aos investimentos em capital físico Wicksell.

Nada disso aconteceu, tivemos um período de semi-estagnação e desindustrialização. Com diferencial tão elevado na taxa de juros, atraímos capitais de curto prazo para ganhos de arbitragem. A taxa de investimento, depois da liberalização de capitais não aumentou, ao contrário tem apresentado uma tendência declinante, particularmente se removermos o período do boom de commodities.
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Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)

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