sábado, 2 de setembro de 2017

Economia sai da recessão

Mas analistas divergem se recuperação é sustentável

PIB cresce 0,2%, puxado pelo consumo das famílias. Indústria e investimentos recuam. Incertezas no cenário político dificultam retomada mais consistente

Pelo segundo trimestre seguido, a economia cresceu entre abril e junho, marcando assim o fim da recessão, que começou em 2014. A alta em relação ao primeiro trimestre, de 0,2%, foi puxada pelo consumo das famílias, graças à liberação das contas inativas do FGTS, à queda da inflação e ao recuo no desemprego. Frente ao segundo tri- mestre de 2016, o PIB avançou 0,3%. O resultado surpreendeu, e analistas já preveem alta de até 0,7% este ano. Mas os investimentos, importantes para garantir crescimento sustentável, voltaram a cair e já recuaram 29,7% desde o terceiro trimestre de 2013. Para analistas, incertezas políticas dificultam a retomada dos investimentos.

Recuperação pelo consumo

Gastos das famílias puxam alta de 0,2% no PIB, mas fôlego pode ser menor daqui para frente

Marcello Corrêa, Marina Brandão, Cássia Almeida e Gabriel Martins* | O Globo

O dinheiro extra do FGTS, a inflação mais baixa e os juros menores aumentaram o poder de compra do brasileiro no segundo trimestre e ajudaram a tirar o país da recessão mais duradoura e intensa pela qual já havia passado. Após nove trimestres em queda, o consumo das famílias registrou alta de 1,4% na comparação com os três meses anteriores, surpreendeu analistas e foi o principal fator por trás do crescimento de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) no período. O resultado — a segunda expansão consecutiva da economia brasileira — permitiu que, pela primeira vez em mais de dois anos, especialistas dissessem que o pior da crise ficou finalmente para trás.

No primeiro trimestre, o PIB havia crescido 1%, a primeira alta após uma sequência de oito trimestres negativos. O número, no entanto, foi visto com muita cautela e não empolgou, por ter sido resultado de um desempenho extraordinário da agropecuária, que representa pouco mais que 5% da economia brasileira. Agora, o cenário é diferente. O consumo das famílias tem peso de 64% do PIB, quando consideradas as componentes do lado da despesa. E, quando cresce, ajuda a impulsionar o setor mais importante do país, o de serviços, que responde por 73,3% da economia, pelo lado da produção.

E foi exatamente isso que aconteceu no segundo trimestre. Embalado pelo consumo em alta, o setor de serviços cresceu 0,6% na comparação com o primeiro trimestre. Foi a maior alta desde o terceiro trimestre de 2013. Na comparação com o segundo trimestre do ano passado, o dado ainda é negativo, queda de 0,3%, porém menos intensa que nas divulgações anteriores. Nesse tipo de cálculo, o consumo das famílias também avanço, 0,7%.

— Quando consumo e serviços começam a se recuperar, é muito mais consistente do que a gente tinha no primeiro trimestre — afirma Luis Otavio Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil.

Só as contas inativas do FGTS injetaram cerca de R$ 40 bilhões na economia nos últimos meses. Embora parte desse dinheiro tenha sido destinado ao pagamento de dívidas e à formação de poupança, uma parcela significativa foi gasta no comércio. O segmento, que faz parte do setor de serviços pela metodologia do PIB, cresceu 1,9% no segundo trimestre, em relação ao primeiro — a maior alta desde 2014.

Ao efeito FGTS, se somou a inflação mais baixa, que ficou em 3,6%, na média do período. Com o índice de preços mais controlado, o dinheiro no bolso de quem conseguiu manter o emprego ficou mais valioso: a massa salarial registrou alta real de 2,3%. Contou ainda a queda da Taxa Selic, que baliza os juros da economia, passando de uma média de 14,1% ao ano em 2016 para 10,9% ao ano no segundo trimestre de 2017.

— De abril a junho, houve mais abertura de postos de trabalho, o que não acontecia desde 2014. Isso talvez seja o fator mais importante para explicar essa reação do comércio. Houve melhoria do mercado de trabalho, tanto do ponto de vista do emprego, como da renda. O crédito ficou mais barato. Tivemos também o fator FGTS, o que ajudou o comércio. E, por último, a inflação baixa. Eletrodomésticos e bens de consumo duráveis, por exemplo, estão acumulando deflação — resume Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

INVESTIMENTOS AINDA EM QUEDA
A análise de que o saque das contas inativas do FGTS — encerrado em julho — foi importante para o resultado do segundo trimestre levantou a questão sobre a possibilidade de o consumo manter o ritmo de crescimento nos próximos meses. Artur Passos, economista do Itaú Unibanco, avalia que há fôlego para continuar crescendo, mesmo sem o dinheiro extra circulando, embora os próximos resultados tendam a ser menos intensos:

— O consumo cresceu com a melhora dos fundamentos da economia. O mercado de trabalho reagiu antes do que se esperava. Não foi uma coisa pontual por causa do FGTS.

Nas famílias, o clima é de volta gradual à normalidade. Na casa da corretora de imóveis e advogada Luciana Fátima, de 45 anos, a volta por cima da crise veio na forma de uma ideia de negócio próprio:

— O mercado imobiliário sofreu muito com a crise. Por causa disso, há mais ou menos um ano, eu abri a Lufaz-Doces, um empreendimento em que vendo doces por encomenda. Resolvi apostar nessa área por ser algo que eu já gostava de fazer.

A empreitada conta com a ajuda do marido, o professor de Educação Física Jorge dos Santos, de 55 anos. Embora tenha feito cortes no orçamento, a corretora está otimista:

— Nos últimos meses, houve uma leve procura por imóveis para compra, e a minha venda de doces se mantém estável. Caso o cenário de crescimento continue, a situação tende a melhorar.

A agropecuária também foi surpresa positiva. Após o crescimento recorde do primeiro trimestre, parte do mercado esperava queda, mas o setor ficou estável. Ou seja, manteve o ritmo de crescimento na comparação anual. A nota preocupante continua a ser os investimentos, que registraram queda de 0,7% e ainda acumulam retração de 6,1% em quatro trimestres.

Segundo analistas, o comportamento dos investimentos daqui para frente deve definir se os dados positivos do primeiro semestre deste ano são o início de uma trajetória de crescimento sustentável ou apenas um soluço da economia brasileira.

(*) Estagiário, sob a supervisão de Lucila de Beaurepaire

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