terça-feira, 5 de setembro de 2017

Flechada no pé | Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

O suspense era sobre a nova denúncia contra o presidente Michel Temer, mas o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em entrevista coletiva ontem à noite, ao contrário, anunciou a abertura de investigação para apurar “indícios de omissão de informações de práticas de crimes” no acordo de delação premiada dos executivos do grupo J&F, controlador do frigorífico JBS, que originou a primeira denúncia. O que era pra ser uma flecha de prata a ser disparada contra o Palácio do Planalto, virou uma flechada de chumbo no próprio pé, porque a decisão reforça a tese de que as denúncias contra Temer seriam uma “conspiração” para derrubar o presidente da República. Dependendo do resultado da investigação, os benefícios oferecidos no acordo de colaboração dos irmãos Joesley e Wesley Batista poderão ser cancelados.

Janot revelou que os investigadores da Polícia Federal obtiveram na última quinta-feira áudios com conteúdo “gravíssimo”. Numa das gravações, Joesley Batista conversa com Ricardo Saud, diretor institucional da J&F. Três dos sete executivos da empresa que fecharam a delação estão implicados nos áudios. Por isso, Janot ameaça anular a delação premiada de Joesley, Wesley e Saud. Nos áudios enviados à PGR, há diálogo entre delatores que supostamente teriam sido entregues por engano por um dos colaboradores. O áudio teria referências a congressistas, integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e até a pessoas da própria PGR, inclusive Janot. O único nome citado pelo procurador-geral, porém, foi do ex-procurador Marcelo Müller, que deixou a sua equipe para atuar como advogado no escritório de advocacia contratado por Joesley para negociar a delação premiada.

Janot não revelou o diálogo entre dois colaboradores “com referências indevidas” à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal, nem confirmou os nomes dos delatores que, na conversa, revelam fatos que podem ser indícios de crimes praticados. Entretanto, o procurador-geral garantiu que as provas não serão anuladas, caso se comprove que Joesley omitiu informações, mas os envolvidos poderão perder os benefícios da delação e o ex-procurador envolvido pode ser exemplarmente punido.

São quatro horas de conversa gravada, que aparentemente não eram do conhecimento de Joesley, mas foram parar nas mãos de Janot, sem que o dono aparentemente soubesse do conteúdo. A gravação registra bastidores da negociação com a PGR, destacando a atuação de Müller na confecção de propostas do acordo que seriam fechadas com o órgão. “Ao longo de três anos, Marcelo foi auxiliar do procurador-geral, procurado por suas qualidades técnicas. Se descumpriu a lei no exercício das funções, deverá pagar por isso”, disse Janot.

Anulação
O advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que cuida da defesa do presidente Michel Temer, anunciou ontem que pretende pedir a anulação da denúncia da PGR que acusou o presidente de corrupção passiva. Embora Janot tenha reiterado que não haverá anulação de provas, a gravação das conversas relatada pelo próprio procurador-geral abriu a brecha para o Palácio do Planalto iniciar uma ofensiva com objetivo de sepultar de vez a segunda denúncia e desmoralizar Janot. Os áudios foram, encaminhados ao ministro-relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin, que decidirá o que fazer com as gravações. A história toda é muito cabeluda, porque tudo aconteceu como se fosse um grande descuido.

Há muita especulação sobre o que está acontecendo. O Palácio do Planalto comemora o episódio como se fosse uma pá de cal na Lava-Jato e no estatuto da “delação premiada”, que está sendo muito questionado por todos os denunciados com base em depoimentos de colaboradores. Além disso, a gravação pegou Janot no fim de seu mandato, pois a posse da nova procuradora-geral, Raquel Dodge, deverá ocorrer no próximo dia 18. Para muitos, a investigação é uma espécie de vacina, pois certamente seria instalada por sua sucessora no cargo, já que a gravação mostra que Müller começou a trabalhar para os colaboradores quando ainda integrava a equipe de Janot, que pretende encerrar a investigação até o dia 15, ou seja, ainda durante seu mandato.

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