sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Mais um ano de contenção dos investimentos |Claudia Safatle

- Valor Econômico

Trapalhada com orçamento não compromete 2018

Exceto pela impressão de negligência, o envio do projeto de lei do Orçamento da União (PLOA) provisório, fictício, ao Congresso em nada afeta a política fiscal para 2018. A proposta definitiva será encaminhada pelo governo assim que o presidente Michel Temer retornar da viagem à China, na próxima semana. Até lá, espera-se que a mudança da meta fiscal de um déficit de R$ 129 bilhões para um buraco de R$ 159 bilhões tenha sido aprovada e sancionada. Aguarda-se, também, os atos legais que vão formalizar as medidas de corte de gastos e de aumento das receitas para o próximo ano. É aí que mora o perigo.

Não será fácil arrancar do Congresso o pacote de medidas que adia o reajuste dos salários dos funcionários públicos por um ano, corta gastos com auxílio-moradia e cancela aumento dos vencimentos dos cargos comissionados. São R$ 5,1 bilhões a menos de despesa com a folha de salários da União.

Do leque de propostas consta a elevação de 11% para 14% da contribuição previdenciária dos servidores sobre a parcela que exceder o teto do regime geral (RGPS). Com esse aumento espera-se uma receita de R$ 2,2 bilhões. A reoneração da folha de salário para vários setores da economia não foi aprovada, caducou e será reapresentada com a estimativa de render R$ 4 bilhões aos cofres públicos. Outros R$ 6 bilhões devem ser arrecadados com a mudança na forma de cobrança do imposto sobre fundos de investimentos exclusivos. São, portanto, pouco mais de R$ 17 bilhões.

A resistência do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) que, como presidente interino, teria que assinar as medidas provisórias e projetos de lei que vão compor o ajuste fiscal do próximo ano é uma amostra das dificuldades que Temer vai enfrentar no Congresso. Maia se negou a assinar a proposta de adiamento dos reajustes salariais, sob a alegação de que isso cabe a Michel Temer.

O conjunto de medidas de redução de despesas e aumento de receitas foi anunciado pela área econômica no dia 16 de agosto e, segundo fontes oficiais, enviado ao palácio do Planalto a tempo de Temer assina-lo. Teria, no entanto, parado na Casa Civil que não deu conta de aprontar as medidas provisórias e projetos de lei antes de Temer embarcar para a China, deixando a tarefa para o presidente interino.

Os parlamentares são sempre muito sensíveis às demandas e às pressões do funcionalismo. Não revelam, porém, a mesma preocupação com a queda dos investimentos públicos que tem sido os mais sacrificados pelos sucessivos ajustes das contas públicas, penalizando toda a sociedade.

Os recursos destinados a investimentos do PAC em 2018, em obras de ampliação da oferta de infraestrutura no país, serão de apenas R$ 26 bilhões no projeto definitivo. Equivalem a míseros 0,36% do PIB.

Apesar de ser um projeto provisório, o PLOA entregue ontem ao Congresso tem dados que vão permanecer na versão definitiva. As receitas previstas com as privatizações para o ano que vem não devem ultrapassar R$ 20 bilhões. O número é conservador. A perspectiva oficial é de arrecadar cerca de R$ 6 bilhões com as concessões dos aeroportos, embora a expectativa seja de que o preço mínimo do aeroporto de Congonhas, de R$ 5,6 bilhões, será reforçado por um razoável ágio.

O governo foi cauteloso também na previsão de receitas da União com a privatização da Eletrobras, de R$ 7,5 bilhões.

Essa parcela representa um terço do que se espera em pagamento de bonus de outorga. De um total estimado de R$ 22,5 bilhões em arrecadação, a privatização da estatal do setor elétrico deve destinar os R$ 15 bilhões restantes em partes iguais para a Eletrobras e para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).

Os técnicos da área econômica apostam nos efeitos de outras iniciativas para reduzir o gasto com a folha de pagamentos da União que ainda serão regulamentadas. Na próxima semana deve ser editada a portaria que dará início ao Programa de Demissão Voluntária (PDV) do servidor. Eles acreditam que será possível obter uma boa redução de gastos com a instituição da licença incentivada. Por esse programa, o funcionário público receberá três meses de salário para se ausentar por um ano do trabalho. A licença poderá ser renovada sem remuneração por até três anos.

O governo vai regulamentar, também, a redução da jornada de trabalho de 8 horas diárias para até 4 horas. Quem aderir terá direito ao pagamento adicional de meia hora por dia.

Avalia-se no setor público que tanto a redução da jornada quanto a licença incentivada tem potencial para reduzir em alguns bilhões a folha de salários, segunda maior despesa depois da previdência.

Não está no projeto provisório mas estará no definitivo a antecipação do pagamento de pouco mais de R$ 100 bilhões de dívidas do BNDES com o Tesouro Nacional.

Ao contrário das medidas citadas esta não representará uma receita primária para cobrir os gastos do orçamento de 2018. Servirá, sim, para evitar que o governo descumpra a "regra de ouro" da política fiscal, determinada pela Constituição de 1988. Por essa regra, a emissão de dívida pública não pode superar as despesas de capital (investimentos mais juros e amortizações). Ou seja, o governo não pode se endividar para cobrir despesa corrente.

É inegável o esforço do governo para controlar a despesa que de janeiro a julho deste ano teve queda real de 0,2%. Mas a receita total caiu de forma mais acelerada, com retração de 1,3% em igual período. Líquida das transferências a Estados e municípios, a receita teve queda real de 3,1%.

A soma do pagamento de benefícios da previdência social (R$ 301,9 bilhões), salários (R$ 164,9 bilhões) e demais despesas obrigatórias (R$ 119 bilhões) consumiu quase 92% da arrecadação líquida nos sete meses do ano. O gasto discricionário, sobre o qual recai o ajuste fiscal, teve queda real de 16,3%, ficando R$ 25 bilhões abaixo do realizado no mesmo período do passado. Não é difícil concluir que a situação é insustentável e que é preciso cortar gastos obrigatórios. O país não escapa da reforma da previdência.

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