domingo, 3 de setembro de 2017

O risco da Renca | Miriam Leitão

- O Globo

O governo está mal informado ou tem péssimas intenções em relação à extinção da Renca. Mesmo com o fim da reserva, apenas 10% do território poderia ter exploração mineral, segundo Beto Veríssimo, pesquisador do Imazon. Ao contrário do que o governo diz, o desmatamento na área é mínimo, de 0,3%. O risco é haver a intenção de mudar o marco regulatório das unidades de conservação.

‘Toda a região da Calha Norte do Pará, onde está inserida a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), tem 272 mil quilômetros quadrados, uma área equivalente à soma de São Paulo e Sergipe, e apenas 300 mil habitantes, que se concentram nas margens dos rios e têm atividades de baixo impacto. A Renca é uma parte disso, tem 46,5 mil quilômetros. Foi criada como reserva mineral, mas as unidades de conservação foram sendo criadas e se sobrepondo à reserva mineral e hoje só pode haver exploração de minério em um pequeno trecho. O governo não explicou o que quer, mas qualquer coisa além disso ele só pode fazer se alterar os planos de manejo ou mudar a lei das unidades de conservação”, explica Beto Veríssimo.

Cada tipo de unidade de conservação tem um nível de proteção. Cinco das nove áreas protegidas da Renca têm nível máximo, porque são terra indígena, parque nacional ou reserva biológica. Estão entre elas o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque e a Reserva Biológica de Maicuru. Na Floresta Estadual do Paru, pelo nível menor de proteção, poderia até haver exploração mineral, porém já foi feito o plano de manejo e nele não há possibilidade desse tipo de atividade econômica e 37% da Renca estão dentro dessa floresta estadual. O mesmo acontece com os planos de gestão da Reserva Estadual do Amapá e da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru.

Segundo Veríssimo, existe garimpo ilegal, mas localizado, no Rio Jari. Houve desmatamento, mas, pela sua análise, o problema seria fácil de resolver. Ele já fez trabalhos de estudo na Calha Norte e está convencido de que existe reversão nos problemas localizados que existem.

— O grande perigo do garimpo não é o desmatamento, mas o risco da contaminação dos rios com mercúrio. Não é difícil conter os problemas, ao contrário do que o governo diz — afirma Beto Veríssimo.

O governo tem dito que na área já houve invasão, desmatamento, e está havendo garimpo ilegal, e, portanto, a reserva pode ser extinta. Um raciocínio torto.

— Ou o governo não estudou bem o assunto, ou pretende mudar o marco regulatório do sistema de unidades de conservação. As autoridades não explicaram nada direito, não disseram o que pretendem explorar e onde, nada teve qualquer transparência. Para exercer atividades econômicas no local tem que seguir um rito mínimo e o primeiro passo é respeitar as leis atuais. Tudo soou muito estranho — diz.

Mostrando um estilo de tomada de decisão atabalhoada, o governo primeiro baixou um decreto extinguindo a reserva, depois refez o decreto estabelecendo alguns parâmetros, depois suspendeu os efeitos do decreto para debater o assunto por 120 dias. A ordem dos fatores tem que ser inversa: primeiro é preciso haver debate e explicação transparente de qual é o projeto, para depois ser tomada a decisão.

Em relação à Amazônia, é preciso extremo cuidado porque já se sabe a dinâmica dos eventos. Quando o Estado mostra hesitação ou fraqueza, começa a corrida de grileiros e desmatadores ilegais. No caso da Renca, o fim da reserva pode ser entendido por garimpeiros como um sinal de que deve-se começar uma corrida do ouro na região. O risco de problemas ambientais e sociais é imenso.

Beto Veríssimo acha que a exploração mineral não necessariamente é inimiga da floresta. Ele diz que já viu em exploração de bauxita a área ser recuperada depois, mas, mesmo quando tudo dá certo, a mineração forma enclaves que não desenvolvem a região. Em outros casos, a mineração pode ser bem predatória.

Esse não é o primeiro ataque à Amazônia. A outra decisão enfraqueceu a Floresta Nacional de Jamanxim, uma região vulnerável já muito atacada pelos grileiros e desmatadores. Neste caso, o governo demonstrou que escolheu ceder ao crime. O projeto do governo Temer para a Amazônia não é aceitável.

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