sábado, 23 de setembro de 2017

Viés de alta | Adriana Fernandes

- O Estado de S.Paulo

Há várias notícias positivas, mas os números atuais não permitem baixar a guarda

O Brasil é mesmo um País de muitas surpresas. Apesar do avanço da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara dos Deputados, não se pode dizer que os últimos dias foram de tormenta para o governo. Ao contrário. Nas últimas semanas, o Palácio do Planalto recebeu várias notícias positivas na economia que contrastam com as incertezas políticas e disputas pré-eleitorais entre os aliados do presidente que já ganham espaço maior na agenda de Brasília.

Além de mais um dado de criação de empregos, o cenário positivo foi marcado pelas projeções de inflação e taxa de juros no relatório de inflação do Banco Central. Elas aumentaram a aposta do mercado financeiro de que os juros básico da economia podem cair para um patamar menor do que 7% ao ano ao final do ciclo de corte de juros e não passar de 8% até 2020.

A trajetória bem mais favorável está animando as projeções de recuperação cíclica da economia, e o BC já sinaliza para um crescimento de 0,7% este ano e de 2,2% em 2018. Uma virada e tanto, considerando o pessimismo que havia no primeiro semestre.

O viés é de alta para o crescimento. Mas é preciso bastante cautela com o otimismo. Mesmo com tantas notícias positivas, o governo ainda tem um ajuste fiscal duro para fazer. Nesta semana, em audiência no Senado, o secretário de Acompanhamento Econômico, Mansueto Almeida, alertou que, sem a reforma da Previdência, não há como cumprir as regras do Novo Regime Fiscal, que congela a despesa por pelo menos uma década. Mas será que ela ainda sai neste ou no próximo ano?

A depender do que disse o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em entrevista ao Estadão/Broadcast, a janela para aprovação encurtou. Com todas as letras, Maia afirmou que, mesmo sem a reforma, o ciclo fiscal de 2018 estará resolvido com as receitas decorrentes de concessões e privatizações previstas para 2018.

Não é bem assim. Mas o mercado está tão otimista que acredita que, se este governo não fizer essa reforma, o próximo aprovará. Esquecem que, para começar a dar efeito mesmo, só depois de dois anos da aprovação.

Muitos ainda acreditam na reforma previdenciária ainda neste governo, mas há motivos para dúvidas. Desde o início do ano, o governo vem, sem sucesso, tentando algum acordo para a votação do Refis – o programa de refinanciamento de dívidas. O imbróglio tem atrapalhando votações importantes no Congresso, e o fato de o programa ainda estar em negociação mostra um governo ainda refém do jogo político do Congresso. Se por um lado venceu votações importantes, por outro não tem força suficiente para parar uma negociação que não mais interessa ao próprio governo.

A confusão em torno do leilão de quatro usinas hidrelétricas da Cemig, que levou a equipe econômica a abrir uma negociação desnecessária com a companhia, é outro exemplo que a maioria do governo no Congresso precisa, a cada semana, ser cuidadosamente administrada e não está garantida.

Há várias notícias positivas na economia, mas os números atuais não permitem baixar a guarda. A grande maioria dos economistas segue acreditando que, sem a continuidade a agenda de reformas, a melhora da economia não se sustentará.

Esta semana, bastou um discurso um pouco mais duro da presidente do Federal Reserve (o banco central americano) para que o risco país dos emergentes aumentasse rapidamente, interrompendo uma sequência longa de quedas. Há muito o que fazer. É importante que analistas e políticos tenham consciência que a narrativa de descolamento da economia da política pode até ser sedutora, mas não se sustenta.

O governo precisará do apoio político. Por fim, não há mais como aceitar um prazo mais longo de déficits primários além daquele em curso, que já é excessivo, pois o governo agora bateu em outra regra de controle, a regra de ouro, que não permite aumento da dívida para financiar despesas correntes. O problema atual é que o aumento da dívida já passou a superar as despesas de investimentos. Uma bomba para os próximos anos.

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