Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro | Valor Econômico
BRASÍLIA - A cláusula de desempenho para partidos políticos, que pretende reduzir o número de legendas com voz no Congresso Nacional, pode não ter o efeito esperado na próxima legislatura. Parlamentares ouvidos pelo Valor apontam três motivos: a flexibilização das regras, uma brecha que permitirá que os nanicos ainda recebam dinheiro público para as campanhas e o histórico do atual mandato, quando três dezenas de deputados preferiram ir para siglas menores em busca de espaço.
Capitaneada por PSDB e PMDB, a emenda à Constituição aprovada pelos congressistas institui uma barreira para partidos menores receberem dinheiro público e acesso à propaganda gratuita em rádio e TV - sendo que a publicidade paga é proibida pela legislação. Uma das flexibilizações começou aí, para evitar o risco de que a medida fosse declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A proposta original do Senado impedia que os partidos embarreirados pudessem protocolar ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) no STF e tivessem estrutura partidária no Congresso - basicamente, cargos. A Câmara tirou essas duas vedações e deixou as que têm maior impacto eleitoral: o fundo partidário, que distribui R$ 890 milhões por ano, e a propaganda na TV.
Só que uma brecha no texto permitirá que os partidos que não atingirem a cláusula de desempenho ainda recebam dinheiro público, por meio do fundo eleitoral, que distribuirá R$ 2 bilhões em 2018. Além dos 2% divididos igualmente entre todas as siglas (R$ 1,1 milhão para cada), o partido poderá ganhar um valor milionário pelos votos recebidos na disputa pela Câmara e de acordo com o número de parlamentares federais que tiver.
O deputado eleito por um partido que não superar a cláusula poderá ir para outro sem perder o mandato. Mas ele será mais atraente para o nanico - que, se ficar sem representação no Congresso, só terá direito à parcela do fundo eleitoral dividida igualmente - do que para o grande, que não herdará o tempo de TV e votos. Por isso, em troca de mais espaço ou dinheiro para sua campanha, ele pode optar por permanecer.
Deputados citam que as duas restrições a que estão sujeitos os nanicos, o fundo partidário e o tempo de TV, já não chegam aos parlamentares do "baixo clero". Em partidos grandes, como PT, PMDB e PSDB, o dinheiro já fica concentrado nas cúpulas e os deputados não aparecem nas propagandas partidárias.
O histórico de movimentação parlamentar desta legislatura também mostra que muitas vezes os deputados têm preferido se filiar a legendas nanicas, em busca de mais espaço em suas bases eleitorais e no Congresso, do que continuar nos partidos grandes. Levantamento do Valor mostra que, desde 2015, 31 deputados federais saíram de partidos pequenos, médios e grandes para um "nanico". Outros 17 migraram de um nanico para outro. E 33 saíram de uma sigla de baixa representação para uma maior.
"Participei de mais comissões e relatei mais projetos importantes no PSL do que no PSDB. Partido grande tem muito ego", afirma o deputado Alfredo Kaefer (PR), líder da sigla (que tem mais uma deputada) na Câmara. "É aquela história: é melhor ser cabeça de camarão do que rabo de baleia", disse. Empresário, ele pretende bancar novamente sua campanha à reeleição e afirmou preferir o controle do partido no Estado ao fundo público.
Uma das flexibilizações da cláusula de desempenho favorece essa estratégia. O Senado aprovou que os partidos sem votos suficientes não teriam direito a estrutura de liderança no Congresso - cargos e possibilidade de discursar em nome do partido, por exemplo - e a apresentarem ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), mas esses dois pontos caíram na Câmara.
Ex-colega de Kaefer no PSDB, o deputado Alexandre Baldy (GO) também migrou para um nanico na época, o antigo PTN, que hoje tem 15 deputados titulares e se chama Podemos. Ele passou a presidir uma comissão na Câmara e a exercer o cargo de líder da legenda. Mas brigou com a presidente do partido, perdeu a função e está de saída para PMDB ou PP. "Quem almeja candidatura majoritária não pode ficar sem propaganda na TV", justifica.
A cláusula deixará sem o tempo de TV quem não superar um percentual mínimo de votos para a Câmara ou número de deputados federais eleitos. Em 2018 será exigido 1,5% dos votos nacionais, com 1% em nove Estados, ou nove deputados em nove Estados. Os critérios aumentam a cada eleição até que, em 2030, serão de 3% dos votos e 14 deputados. Se a regra for replicada para o resultado eleitoral de 2014, dos 35 partidos registrados, 18 superariam a cláusula no próximo ano e 12 em 2030. Hoje são 25 partidos na Câmara.
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