quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Crise contornada – Editorial | Folha de S. Paulo

Com certo esforço e um tanto de bom senso, evitou-se nesta terça-feira (3) um atrito imediato entre o Senado e o Supremo Tribunal Federal, no controvertido caso do afastamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Não se trata, aliás, de simples interrupção de um mandato parlamentar. Em votação apertada (3 votos contra 2), a primeira turma do STF adotara, contra o tucano, medidas punitivas complementares, como a proibição de que se ausente do domicílio no período noturno e de que entre em contato com um grupo de investigados.

Na prática, as determinações são comparáveis a uma prisão preventiva em regime semiaberto, sem que esteja configurada a condição de réu em processo criminal.

Certamente, são fortes e graves as suspeitas que recaem sobre Aécio Neves. Não foi nada convincente, por exemplo, a explicação dada pelo parlamentar a respeito do pedido de R$ 2 milhões que fez ao dono da JBS, Joesley Batista, segundo o que se transcreveu de suas conversas telefônicas.

A questão que se coloca é se seriam suficientes para determinar a intervenção direta e intempestiva do STF sobre o Congresso.

Extrema cautela se impõe num caso como esse. Está prevista, no texto constitucional, a prisão de parlamentares flagrados ao cometer crime inafiançável. O princípio valeu no episódio do senador Delcídio do Amaral (ex-PT MS), surpreendido ao discutir detalhes da fuga de um ex-diretor da Petrobras.

O senador tucano não foi preso, claro, mas ainda assim parece duvidoso que seu caso apresente emergência que justifique o tratamento recebido. Está previsto o reexame da decisão pelos 11 ministros que compõem o plenário do Supremo Tribunal Federal.

Seria razoável, ademais, que a corte submetesse medidas cautelares contra parlamentares ao escrutínio da devida Casa legislativa, em procedimento análogo ao adotado em caso de prisão.

Tudo considerado, foi sintomático que, entre os mais exaltados defensores de Aécio Neves, na sessão em que se discutia o caso no Senado, estivessem algumas das figuras mais visadas por investigações do Ministério Público.

Senadores como Fernando Collor (PTC-AL), Renan Calheiros (PMDB-AL) e Jader Barbalho (PMDB-PA), pareciam apostar no confronto com o STF, recusando-se a aceitar a decisão judicial.

Abrangendo nomes das mais diversas filiações partidárias —de Ronaldo Caiado (DEM-GO) a Gleisi Hoffmann (PT-PR)—, prevaleceu entretanto uma atitude temporizadora. Decidiu-se esperar pela decisão do plenário do Supremo.

Este se vê implicitamente instado a reverter as duras determinações da sua primeira turma.

Por ampla maioria, adiou-se, no mínimo, o confronto anunciado. O risco, certamente, inexistiria caso o próprio Aécio Neves não tivesse se envolvido em uma transação inexplicável, em seus propósitos e procedimentos, com um empresário sob investigação.

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