segunda-feira, 2 de outubro de 2017

De Dilma a JBS, advogada está no centro de crises

Por Murillo Camarotto | Valor Econômico

BRASÍLIA - "As mulheres não precisam de paternalismo ou proteção social. Precisam dizer a que vieram." Após uma longa lista de agradecimentos, foi com essa mensagem que a desembargadora eleitoral Fernanda Lara Tórtima abriu seu discurso de posse no Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), em 2 de maio do ano passado. Nomeada pela então presidente Dilma Rousseff, a posse dez dias antes do afastamento da petista marcava a ascensão da jovem criminalista carioca. Desde então, Tórtima esteve no epicentro de várias crises.

A mais recente remete à posse no TRE. Antes dela falar, discursou o procurador regional eleitoral Sidney Pessoa Madruga. Ele destacou a juventude, a determinação e a competência da homenageada. Convidado recentemente para ingressar na nova equipe da Procuradoria-Geral da República (PGR), Madruga foi o pivô da primeira turbulência da gestão Raquel Dodge. Perdeu o emprego após ser flagrado pelo jornal "Folha de S. Paulo" repassando informações internas à amiga Fernanda Tórtima.

Ela também causou estragos na gestão de Rodrigo Janot. Poucos dias antes dele transmitir o cargo, foram divulgados os áudios de Joesley Batista e Ricardo Saud, nos quais comentavam os detalhes da trama por trás da delação premiada que quase derrubou o presidente da República. A suposta participação do procurador Marcelo Miller nos preparativos do acordo teria contado com beneplácito da advogada do grupo empresarial: Fernanda Tórtima.

Advogada da JBS desde o final do ano passado, ela foi contratada para cuidar dos processos que tratavam dos empréstimos do grupo junto ao BNDES. No mesmo período, Miller já tinha planos de deixar o Ministério Público e buscava oportunidades no setor privado. Fernanda, que o conhecia do Rio, apresentou o procurador aos Batista. Ela o indicou para a diretoria de compliance da JBS, que estava vaga.

A confraria jurídica do Rio é o habitat natural de Fernanda Tórtima. Filha, esposa e nora de advogados renomados, circula com desenvoltura nos corredores do poder do Estado. Já como desembargadora eleitoral, se declarou impedida de participar do julgamento da cassação da chapa do governador, Luiz Fernando Pezão (PMDB), e do vice, Francisco Dornelles.

Na mais recente investida da Lava-Jato no Rio, ela assumiu a defesa do empresário Lélis Teixeira, ex-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado. Ele foi preso junto com Jacob Barata, o "rei dos ônibus do Rio", que é defendido pelo criminalista José Carlos Tórtima, pai de Fernanda.

Dono de uma prestigiosa banca da cidade, "Zeca", como é conhecido o pai, foi torturado na ditadura. Durante a Comissão da Verdade, chamou atenção ao confrontar aquele foi seu algoz, o major Valter Jacarandá. Fernanda é casada com o desembargador Mauro Pereira Martins, do Tribunal de Justiça do Rio. Eles não têm filhos.

Nos últimos anos, teve atuação destacada na gestão da OAB fluminense. Ela integra o grupo do deputado federal petista Wadih Damous, ex-presidente da entidade. Na gestão dele e na atual, de Felipe Santa Cruz, a advogada presidiu a Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas.

Ao lado de Damous e de José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça, Fernanda Tórtima participou da "tropa de choque jurídica" que denunciava um golpe contra Dilma. Isso não impediu que, dois meses depois, assumisse a defesa do ex-deputado Eduardo Cunha, considerado o principal artífice da deposição da ex-presidente.

Antes mesmo do afastamento definitivo de Dilma, em agosto do ano passado, Fernanda subiu à tribuna do Supremo Tribunal Federal (STF) para dizer que Cunha não tinha contas bancárias fora do Brasil. "Titularizar uma offshore que titularize uma conta no exterior não é crime de lavagem exatamente por conta da facilidade que as autoridades teriam para identificar o gestor daquela conta", argumentou.

Eles dois se conhecem há mais de dez anos, desde que a atuação de Cunha ainda era circunscrita ao Rio de Janeiro. Contratada pelo pemedebista, ela assinou queixas crime dele contra jornalistas e contra um delegado de polícia. Na Lava-Jato, Fernanda cuidou da defesa da filha de Cunha, Danielle.

Provocado sobre a atuação de Fernanda Tórtima ao lado de Dilma e de Cunha, o deputado Wadih Damous foi realista: "Ela é advogada de defesa, uma profissional contratada, e você não vai encontrar Madre Tereza nesse ramo."

Com 41 anos recém-completos, ela estudou no Colégio Peixoto, no bairro da Gávea. Formada pela PUC-Rio em 2002, tem mestrado em direito penal pela Universidade de Frankfurt e pós-graduação em direito penal econômico pela Universidade de Coimbra. Segundo seu currículo acadêmico, tem fluência em inglês, francês, espanhol, italiano e alemão.

"Qualificada", "determinada", "competente" e "combativa" são as principais qualidades mencionadas por amigos de Fernanda. Colegas mais distantes e rivais na advocacia dizem que ela não perde uma boa discussão e a classificam como "arrojada". Devido aos escândalos recentes, poucos quiseram dar depoimentos sobre a advogada. "Me inclua fora dessa", pediu Técio Lins e Silva, um dos maiores criminalistas do Rio.

A atuação na capital federal ficou mais intensa após a eclosão da Lava-Jato, em 2014. Um ano antes, Fernanda abriu escritório em Brasília, em sociedade com Juarez Tavares e Ademar Borges. A banca funciona em uma ampla casa de tijolos aparentes em uma rua tranquila do Lago Sul, região que abriga a elite de Brasília. Atualmente, tem entre os clientes o ex-presidente Fernando Collor.

Na mesma época em que assumiu a cadeira no TRE-RJ e a defesa de Eduardo Cunha, a advogada apareceu no noticiário com a delação premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Ao lado de outros três colegas, ela tocou as negociações do acordo, que resultou na saída do senador Romero Jucá do Ministério do Planejamento. Foi a primeira crise do ainda interino governo de Michel Temer.

Jucá teve que deixar a Pasta após a divulgação de gravações, feitas por Machado, em que ele defendia um acordo para barrar a Lava-Jato ou, nas palavras do próprio senador, "estancar a sangria".

Advogados lembram que ela vê com bons olhos o uso do gravador, o que acabou alimentando suspeitas de que Fernanda também conhecia o plano original do grampo feito em Temer por Joesley. A pessoas próximas, ela diz que não tem apreço pelos grampos e que desconhecia o plano dos Batista.

A suposta premeditação dessa gravação, com a participação do ex-procurador Miller, é hoje o calcanhar de Aquiles da Lava-Jato. Comprovada uma ação planejada para gravar o presidente, toda a investigação pode vir abaixo.

Em outra conversa divulgada recentemente, o empresário da JBS diz ter informado a Fernanda de que gostaria de amanhecer em Nova York no dia seguinte à divulgação da delação. Teria recebido a seguinte orientação: "tem que se pirulitar mesmo". O vazamento dessa conversa deixou Fernanda furiosa.

No diálogo com Saud divulgado há três semanas, Joesley diz que ela quase "surtou" ao saber que o grupo pretendia delatar integrantes do STF. Os ministros são tratados no áudio como "amigos" da advogada. Pelo menos um deles, Luís Roberto Barroso, é mais do que um colega de profissão. A mãe de Fernanda, a advogada e filósofa Tânia Lara, foi casada por anos com o advogado Roberto Bernardes Barroso, pai do ministro.

Barroso não se declara impedido para julgar processos de Fernanda ou do escritório dela. Procurado, informou que apesar do relacionamento entre os pais deles, encerrado há cerca de dez anos, ele e a advogada jamais conviveram e "não mantêm qualquer relação de proximidade", Mencionou, ainda, dois processos julgados por ele que contrariam os interesses de Fernanda Tórtima.

Em 5 de junho de 2013, durante a sabatina do Senado que aprovou a indicação de Barroso para o Supremo, o nome de Fernanda foi mencionado junto aos dos familiares do ministro.

Principal antagonista de Barroso no STF, o ministro Gilmar Mendes é sócio da faculdade onde Fernanda Tórtima dá aulas. No primeiro semestre deste ano, lecionou "Teoria do Erro" para uma turma de pós-graduação. A disciplina trata, entre outras coisas, dos lapsos que podem ser cometidos junto com um crime. Segundo um de seus alunos, ela cita clientes como exemplos.

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