quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Empresas ainda são o ponto fraco da retomada do crédito – Editorial | Valor Econômico

O aumento da oferta de crédito para as empresas em agosto deu um novo alento à expectativa de retomada da economia. Depois de 25 meses de quedas consecutivas, as concessões de empréstimos às pessoas jurídicas voltaram a crescer e registraram expansão de 15,9% na comparação com julho, para R$ 119 bilhões, puxadas pelo financiamento à exportação, de acordo com os dados do Banco Central (BC). As concessões para as famílias, que já vinham em recuperação, avançaram mais 4,3% para R$ 161,5 bilhões; e, levando em conta as duas modalidades, a expansão foi de 8,9%, somando R$ 281 bilhões.

A sinalização é positiva, mas não indica ainda a reação do crédito. Na melhor das hipóteses, as operações com as empresas encontraram o fundo do poço e pararam de encolher. Os números estão longe dos melhores momentos. Em comparação com o pico de dezembro de 2015, quando o estoque total de crédito atingiu R$ 3,2 trilhões, o equivalente a 53,65% do Produto Interno Bruto (PIB), a queda chega a 6,5 pontos do PIB, para o patamar atual de R$ 3,1 trilhões, ou 47,1% do PIB. Segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), os empréstimos para empresas ainda estão no nível de 2009. Já os financiamentos para as famílias estão em recuperação há dez meses.

O próprio BC está cauteloso. Sua projeção é que o mercado de crédito registre crescimento zero neste ano - uma contração em termos reais, já que a inflação esperada é de quase 3%. Ainda assim, como houve uma retração de 1,9% no período de janeiro a agosto, será preciso que o estoque de operações de crédito cresça perto de 0,5% ao mês para que, ao fim do ano, a variação seja zero. Caso a expectativa se confirme, será o terceiro ano seguido em que o mercado de crédito apresentará contração em termos reais. Em 2016, a queda foi de 9,2%; e, em 2015, de 3,6%. Em três anos, a redução real acumulada do estoque de crédito fica ao redor de 15%.

A fraca demanda seria um dos motivos da baixa expectativa em relação a uma recuperação acentuada do crédito corporativo. As empresas estão com grande ociosidade e muitas delas estariam segurando os investimentos diante das incertezas da economia, estratégia que pode ser mantida em 2018 por conta da insegurança em relação às eleições. As empresas também estariam optando por se desalavancar e preferindo desmontar os investimentos de curto prazo. Em sua coluna semanal publicada ontem, Angela Bittencourt relatou que as empresas já reduziram em cerca de 60% as operações compromissadas, em que chegaram a encastelar R$ 220 bilhões em 2016 e detinham R$ 89 bilhões em agosto.

Relatório recente da Standard &Poor's reforça a expectativa morna. De acordo com a empresa, além da fraca demanda por crédito, há o próprio desinteresse dos bancos, preocupados em ficar longe de empréstimos problemáticos e à espera de que a "economia recupere o dinamismo". A tendência é que mantenham o foco nas operações de menor risco, como o crédito consignado e o financiamento imobiliário. Lembra ainda que os bancos públicos, limitados pelas restrições de capital, não estão desta vez exercendo o tradicional papel contracíclico que assumiram em outros momentos, o que reforça as previsões mais cautelosas.

A redução dos juros do consignado, a criação da duplicata eletrônica, o surgimento da Letra Imobiliária Garantida (LIG), o novo cadastro positivo e reformulação da Lei de Recuperação Judicial são algumas das medidas recentes do governo que devem assentar as bases para uma retomada sólida.

Tudo indica que a recuperação do crédito será liderada pelas operações com pessoas físicas, embaladas pela reativação do mercado de trabalho e da renda e pelo recuo da inflação. Desde novembro, as operações com as famílias são maiores do que as realizadas com empresas, invertendo uma relação tradicional. Em agosto, o crédito para pessoas jurídicas era equivalente a 22,2% do PIB; já os empréstimos para famílias atingiam 24,9%. Os bancos ainda não repassaram integralmente a queda dos juros básicos da economia aos seus clientes. A taxa de inadimplência, uma das justificativas sempre apontadas para os juros elevados, se manteve estável em 3,7% basicamente durante todo o período. Em agosto, a taxa média de juros cobrada nas operações de crédito recuou de 29% ao ano para 28,5% ao ano.

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