sexta-feira, 20 de outubro de 2017

MT deveria revogar logo a portaria do trabalho escravo – Editorial | Valor Econômico

A portaria que modifica conceitos de "trabalho escravo" é mais um vexame para o governo Temer. É inacreditável que o Planalto resolva mexer em um tema obviamente tão sensível como esse quando seu principal ocupante aproxima-se do traço nas pesquisas de opinião. Apenas não surpreende porque já fez coisas parecidas antes, de péssima repercussão nacional e internacional, como o decreto que visava abrir áreas de mineração em um trecho praticamente indevassado da Amazônia. Ambos os casos, de uma lista já não pequena, põem em xeque a habilidade política do presidente e de sua coordenação e mostram até que ponto o presidente está disposto a ceder a qualquer interesse de parlamentares para garantir sua permanência no cargo, ameaçada pela Justiça.

"Temos um momento confuso e, aí, a classe produtora resolveu levar essa reivindicação ao presidente. Ele atendeu, e nós só temos a comemorar", disse o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, um dos poucos que apoiou a portaria 1129 do Ministério do Trabalho. A fala confirma que partiu dos ruralistas a reivindicação e que o presidente Michel Temer deu sua aquiescência.

A portaria estabelece "conceitos" sobre o tema delimitando regras de ação, embora o objetivo do documento seja regular o pagamento do seguro desemprego ao trabalhador identificado como vítima de trabalho forçado ou análogo ao escravo. O artigo 149 Código Penal estabelece punições por "reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto". Incorre em sanções também quem "cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho".

O que o novo dispositivo faz é colocar a ausência do direito de ir e vir como condição essencial para definir tanto o trabalho forçado, a jornada exaustiva e a condição degradante e a análoga ao trabalho escravo. Ele extingue a analogia e descreve de fato o trabalho escravo, aquele no qual alguém é privado de liberdade e é coagido a trabalhar, sem ter meios de evitar essa condição.

A portaria não muda nem poderia mudar o Código Penal. Ela serve de orientação aos fiscais do Ministério do Trabalho, à qual foram acrescidas a obrigatoriedade da comprovação fotográfica de cada irregularidade e da confecção de boletim de ocorrência por autoridade policial. Uma intenção, pelo caminho torto, foi disciplinar o trabalho dos fiscais para evitar dois males que prejudicam as empresas. Um deles é a arbitrariedade do fiscal, uma reclamação constante nos litígios trabalhistas. A outra, correlata, é o achaque com o objetivo de obter dinheiro em troca de abdicação de denúncia e da não publicidade.

Há subjetividade, até certo ponto, na configuração de jornada exaustiva ou condição degradante, e a Justiça existe para dirimir a questão, assim como, no âmbito do MT, recursos administrativos a que as empresas têm direito para coibir arbitrariedades ou interpretações delirantes. A portaria refere-se a sanções administrativas, e apenas a elas, mas no âmbito da fiscalização do Trabalho restringe potencialmente os casos a reportar.

A portaria dá poderes ao ministro do Trabalho para divulgar ou não a lista das empresas que praticam o trabalho escravo. É pertinente a preocupação com as consequências da publicidade, que só deve ser feita após ficar provada a ilegalidade cometida. Mas dar esse poder a alguém escolhido por motivos políticos não tem nada a ver com a precaução exigida e necessária no caso. O ministro definirá sua atuação usando sua consciência ou, o que é mais frequente, de acordo com forças de pressão dos bastidores.

As condições de trabalho, assim como o ambiente, influem cada vez mais nas negociações e nas transações comerciais. No decreto da Reserva Nacional de Cobre e Associados, primeiro, e agora na do trabalho escravo, o governo se sai mal junto aos brasileiros e provoca pasmo e indignação internacional. É um preço muito alto para agradar a poucos setores retrógrados da sociedade, que só visam ganhos de curto prazo. A portaria deveria ser revogada.

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