domingo, 29 de outubro de 2017

Não é o que parece: Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

O presidente Temer comemora a rejeição da segunda denúncia de Janot, mas quem emerge com uma “sombra de futuro” para além de 2018 é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia

Um dos erros mais crassos na política brasileira é confundir a força do governo — qualquer governo, inclusive o pior deles — com o poder pessoal do governante ou do partido. O governo será sempre a forma mais concentrada de poder, como ensinou Norberto Bobbio, porque arrecada, normatiza e coage, mesmo quando nada mais funciona a contento numa administração. Isso cria uma ilusão, uma espécie de autoengano, que muitas vezes acaba numa grande derrocada, como aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, ou leva ao progressivo enfraquecimento, até que o governante perca qualquer capacidade de influir na própria sucessão, o caso do ex-presidente José Sarney.

Esse força é exacerbada pelas características do Estado brasileiro, que se antecipou à nação, e os laços tecidos com as oligarquias e corporações em razão de nosso velho iberismo. A elite brasileira é dura na queda quando está unida, mesmo que contra ela se oponha a maioria do povo. Historicamente, sempre foi pelo alto que se deu a modernização. O grande problema é que o moderno na economia manteve a exclusão social e as desigualdades regionais, embora a sua força avassaladora se impusesse sempre que um ciclo econômico se encerrava para dar lugar a outro, esgotado um determinado modelo. Em todos esses momentos, houve forte conexão com os fluxos da economia mundial, agora ainda mais acentuada pela globalização.

Um dos grandes erros do governo Dilma Rousseff, por exemplo, foi acreditar no adensamento da cadeia industrial brasileira, na contramão da transnacionalização da produção mundial. Não tinha a menor chance de dar certo. A estratégia fadada ao fracasso provocou o colapso da economia do petróleo e do setor automotivo, setores mais dinâmicos de nossa indústria, que somente agora iniciam a recuperação. A transnacionalização da produção industrial é a única saída. O melhor exemplo é a nossa indústria aeronáutica, que está integrada à economia mundial de forma competitiva, porque a Embraer não embarcou na canoa furada da verticalização total da produção. O leilão do pré-sal de sexta-feira mostrou que até a Petrobras já entendeu que a transnacionalização da cadeia produtiva pode ser um bom negócio para nossa indústria.

Mas voltemos à política. Há um ano das eleições, o governo Temer restabeleceu a blindagem constitucional contra a crise ética. Se não houver nenhum outro escândalo, estão dadas as condições para chegarmos às eleições de 2018 em um quadro de normalidade institucional, no qual o primado da política progressivamente voltará a se impor diante da economia e da crise ética. Engana-se, porém, quem imagina que o governo protagonizará o debate eleitoral. Seria até falta de inteligência de parte do próprio presidente Temer ter essa pretensão, porque sua “sombra de futuro” encolhe a cada dia. É muito difícil projetar um candidato a partir do interior do governo. Quanto mais próximo da eleição, mais importante será perceber a diferença entre o poder do Estado e a capacidade de hegemonia dos seus ocupantes.

Temer comemora a rejeição da segunda denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, mas quem emerge desse processo com uma “sombra de futuro” que se projeta para além de 2018 é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que lhe tomou a bandeira das reformas. Se o processo de modernização for adiante na velocidade e na envergadura necessárias e o país voltar a crescer de forma expressiva, o mérito será de Maia; se fracassar, a culpa, antecipadamente, é de Temer. Como acreditar que o governo saiu fortalecido da votação desta semana, na qual obteve apenas 251 votos, ou seja, menos da metade dos deputados da Câmara.

Descolamento
A votação revelou uma tendência de descolamento progressivo dos partidos da base governista. É um processo irreversível, porque segue a lógica eleitoral, na qual as alternativas serão tecidas à margem do poder central. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) são a expressão de candidatos que buscam apoio na sociedade e encontraram o espaço vazio. No chamado centro democrático, ninguém conseguiu ainda se oferecer como real alternativa de poder, nem mesmo Marina Silva (Rede), que, nas últimas duas eleições, bateu na trave e não foi ao segundo turno. Surgem candidatos, como Alvaro Dias (Podemos-PR), e pré-candidatos, como Cristovam Buarque (PPS-DF), sem falar em Luciano Huck (ainda sem partido). O governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) é um caso à parte, porque representa um sistema de poder estruturado nacionalmente a partir de São Paulo.

É forçar muito a barra comparar as eleições do próximo ano às de 1989, que foi solteira e resultou num segundo turno entre dois candidatos sem grandes estruturas partidárias: Collor de Mello e Lula se aproveitaram de um governo sem energia e da divisão entre PMDB, PSDB e PDT. Será que alguém deseja o apoio ostensivo de Temer nas próximas eleições? Se o governo conseguir reverter a altíssima impopularidade, é possível, pois há quem aposte abertamente nisso. Mas isso é improvável. O governo Temer foi contaminado pela crise ética e não tem como se livrar dela, porque não pode jogar ao mar os envolvidos na Operação Lava-Jato.

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